terça-feira, 21 de maio de 2019



21 DE MAIO DE 2019
DAVID COIMBRA

Nossa vocação para a monarquia

Mário Henrique Simonsen foi um brasileiro que roçou a genialidade. Escrevia com profundidade sobre filosofia, música, economia, matemática e política. Era dono de uma ironia avassaladora, porém elegante. Foi ministro do regime militar, mas, no momento em que percebeu o que aconteceria na economia, criticou com acidez as políticas do governo. Certa feita, quando alguém lhe perguntou o que achava do segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, ele deu de ombros: "Eu não leio ficção".

A inteligência de Simonsen era viva, pulsante e surpreendente. Uma grande surpresa, por exemplo, foi sua opção pela monarquia durante o plebiscito de 1993. Lembro-me de ter ficado intrigado: por que um homem com aquela inteligência, com aquela sagacidade, com aquele conhecimento defenderia reis no século 20?

É que Simonsen pregava um parlamentarismo que, como chefe de Estado, tivesse alguém sem compromisso com facções políticas. Assim, o interesse do país estaria acima das ideologias e as disputas políticas poderiam ser resolvidas por um líder desinteressado.

Hoje, ao recordar aquele posicionamento de Simonsen, fico pensando se a vocação da população brasileira não é, de fato, a de estar submetida por um rei. Tivemos tantos anos de monarquia com os dois Pedros e, depois, todos os nossos ditadores, que nada mais são do que reis sem coroa, tivemos tanto disso, que nosso espírito se acostumou a acreditar no homem iluminado, que tem direito divino de governar.

Lula é tratado como rei pelos petistas. Você olha para um petista diante de Lula e logo percebe que ele sente dificuldades em sofrear o desejo de se persignar, de beijar-lhe a mão, de chamá-lo de alteza.

Bolsonaro, da mesma forma, tem tanta certeza de que é ungido para o cargo, que chegou a divulgar o vídeo de um pastor que diz ter sido ele escolhido por Deus para comandar o país.

Mas o pior é que os bolsonaristas também acreditam nisso. Eles reproduzem o raciocínio de um WhatsApp encaminhado pelo próprio Bolsonaro, um texto que, em seu significado subjacente, é uma afronta à democracia. Segundo esse texto, Bolsonaro é o líder solitário, sem muito jeito, mas cheio de boas intenções, que luta contra os interesses das corporações, entre elas, e principalmente, o Congresso Nacional.

Muitos brasileiros pensam assim. Para eles, o Congresso só atrapalha o paladino que quer salvar a nação. Uma brutal falta de compreensão de como funciona uma democracia em que há legítima separação dos três poderes, em que o Legislativo e o Judiciário têm de partilhar o mando com o Executivo em doses absolutamente iguais.

Essa concepção equivocada da democracia não é peculiaridade dos bolsonaristas. Petistas também pensam dessa maneira, tanto que alegam que o mensalão foi urdido por Lula em troca do eufemismo chamado "governabilidade". Ou seja: sem comprar o Congresso, nada poderia ser feito no Brasil.

Antes deles, Jânio já se referiu a "forças terríveis" que o obrigaram a renunciar, quase repetindo Getúlio, que citou as "forças ocultas" que o fizeram se matar.

É sempre o mesmo discurso: o rei se batendo sozinho em defesa de seus humildes súditos. Como naqueles filmes ingleses em que Ricardo Coração de Leão enfim chega da Cruzada e salva o povo das garras de seu cruel irmão João Sem Terra. Ou como a crença do povo português no retorno redentor do rei Dom Sebastião, "o Desejado".

Simonsen estava certo. Se vivêssemos numa monarquia, nossos instintos messiânicos estariam satisfeitos e, aí, quem sabe, um parlamento com mais responsabilidades poderia, finalmente, governar com mais razão.

DAVID COIMBRA

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