sábado, 11 de maio de 2019



11 DE MAIO DE 2019
CARPINEJAR

Quando um amigo de fé desaparece

Quando um amigo some, não sofro com a falta de respostas. Deduzo o que aconteceu. Não adoeceu, não tirou férias, não ingressou no retiro espiritual, não recebeu uma carga opressiva e inesperada de trabalho. Sei que ele fez o contrário de meu conselho e não teve mais coragem de me telefonar.

É a mesma métrica: o amigo me liga a cada 15 minutos pedindo minha orientação a respeito de sua relação que vai mal. Está sofrendo, está agonizante, está confuso, não aguenta mais, não tolera mais um dia de discussão e de briga.

De repente, mais do que repente, ele para de me chamar e evapora do WhatsApp. Como aquele sujeito tão dependente e carente se emancipa de uma hora para a outra? Ele tomou a decisão inversa à que sugeri e ficou envergonhado de me reportar os fatos.

Se eu disse para não se separar, ele rompeu com a esposa e já está de casinho novo nas redes sociais.

Se eu disse para se separar, ele mergulhou ainda mais em seu romance, a ponto de noivar, casar, gerar filho e improvisar uma nova lua de mel com limite do seu negativo em uma praia paradisíaca. Não duvido que não tenha me sacrificado: "Vou apostar na relação apesar do Fabrício não acreditar mais que pode dar certo". É muito comum homens rifarem os seus confidentes e terapeutas para recuperar a confiança do outro durante a reconciliação. Trocam um amigo pelo perdão, como que insinuando, com o sacrifício, de que só falarão a verdade dali por diante.

Os hiatos e as lacunas da amizade sempre se devem ao medo de enfrentar a decisão pessoal, oposta ao que a maioria sensata pensa.

A instabilidade do amor - que muda de opinião a todo momento - entra em conflito com a estabilidade da amizade - fundada em apelos mais racionais e preventivos.

Quem é amigo de verdade vive mordendo a língua e engolindo o próprio sangue, porque diz a verdade na cara e depois precisa ainda suportar o desaparecimento do outro, remediar o seu constrangimento e suas mentiras parceladas e resgatá-lo de volta para a cumplicidade. É o ônus da sinceridade: falar o melhor e conviver com o pior depois disso.

CARPINEJAR

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