segunda-feira, 13 de maio de 2019



13 DE MAIO DE 2019
DAVID COIMBRA

Deus existe?

"Deus existe?", perguntou-me o Potter. Respondi.

Não se tratava de conversa de bar, trata-se de um podcast que ele vai lançar amanhã, atirando essa questão mais do que milenar no peito dos entrevistados (o Potter está fazendo rotundo e retumbante sucesso com seus podcasts).

Mas voltemos a Deus.

Deus sempre esteve com os homens, embora nem sempre fosse o mesmo. Cada cultura constrói o seu, de acordo com suas conveniências. A Bíblia diz que Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança, quando é o contrário: o homem cria Deus à sua imagem e semelhança.

Por isso a Bíblia é um livro genial, por estar repleta de significados transversos, além de descrever algumas revoluções que se passaram no espírito humano. Uma delas é o monoteísmo, conceito duro, árido, difícil de assimilar, porque a tendência quase irreprimível do homem é ser politeísta.

Pegue, por exemplo, o caso de Hans Staden.

Talvez não lhe ocorra agora, mas você sabe quem foi Hans Staden. Lembra do filme Como Era Gostoso o meu Francês, de Nelson Pereira dos Santos? Foi baseado nas aventuras espetaculares que Hans Staden viveu no Brasil. Espetaculares mesmo: Hans Staden era um soldado mercenário alemão que, no meio do século 16, saiu da Europa em direção ao Brasil em busca, obviamente, de dinheiro, que é por essa razão que se movem os mercenários.

Staden não fez uma, mas duas viagens ao Brasil, sobre as quais escreveu um livro, reeditado pela L&PM, que tem exatamente este título: Duas Viagens ao Brasil. Aconteceu de tudo com ele: naufrágios, lutas, fomes, perigos. Depois de alguns anos nos trópicos, os portugueses o contrataram para servir em um forte no Rio de Janeiro. Um dia, ele decidiu sair sozinho do forte para caçar na mata. Afastou-se um pouco e, de repente, começou a ouvir gritos vindos do escuro da floresta. Antes que pudesse dizer cucamonga, viu-se cercado por guerreiros tupinambás. Levou um lançaço na perna. Caiu, urrando de dor, e os índios pularam sobre ele, tiraram-lhe o arcabuz e as roupas, surraram-no e o levaram cativo. A entrada de Hans Staden na aldeia foi humilhante. Os tupinambás lhe amarraram as pernas e ele teve de entrar pulando e anunciando:

- Sua comida chegou! Sua comida chegou!

Enquanto ele avançava, as índias e as crianças riam, atiravam-lhe pedras e repetiam:

- Nós vamos te comer!

Falavam literalmente: os tupinambás eram canibais.

O chefe daquela tribo, chamado Cunhambebe, granjeava a fama de ter devorado mais de 50 portugueses. Numa das passagens do livro, Staden descreve o chefe comendo uma perna humana como se fosse uma coxinha de galinha.

Havia apenas uma circunstância a favor do alemão: os índios não comiam seus inimigos imediatamente depois da captura. Antes, ele passava por um processo de engorde, era muito bem alimentado e muito bem tratado, porque os tupinambás acreditavam que comidas felizes faziam bem (no que, aliás, também acredito). Então, Staden ficou meses se relacionando amistosamente com os índios. Participava de caçadas com os homens. Repimpava-se nas redes com as mulheres.

Durante esse tempo, tentou descobrir um jeito de escapar da panela. Portugueses e franceses sabiam que ele estava à mercê dos índios, mas não fizeram qualquer proposta para salvá-lo, por medo de irritarem os ferozes tupinambás.

Até que, um dia, uma índia roubou uma cruz de madeira que Staden havia plantado em frente a sua cabana. Quase ao mesmo tempo, começou a chover torrencialmente. O aguaceiro não cessava, os índios já estavam apreensivos, com medo de perder o tempo de plantio. Aí Staden teve a ideia de dizer que chovia porque sua cruz fora roubada, o que enfurecera o seu poderoso Deus. Assustados, os índios se puseram a construir uma nova cruz. E, no instante em que ela ficou pronta, a chuva parou. Os índios ficaram boquiabertos e assustados. Foi o que os convenceu a aceitar uma negociação com um comandante francês e libertar o alemão.

Deuses diferentes entraram em confronto nessa história. Porque, para os índios, era natural que houvesse muitos deuses, alguns inclusive desconhecidos. Essa forma de pensar era comum a inúmeras culturas e mostra algo que contarei amanhã. Se Deus quiser.

DAVID COIMBRA

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