04
de janeiro de 2015 | N° 18032
MARTHA
MEDEIROS
Pensar nunca funcionou
O
músico uruguaio Socio compôs uma balada linda que se chama Fan de Faith no More
e que escuto com frequência, apesar de uma parte da letra me intrigar. Lá pelo
meio da canção ele diz pensar nunca funcionou, e a cada vez que ouço esse
verso, penso: não, Socio, não é bem assim.
Logo
me ocorrem várias experiências que vivi que só foram compreendidas através do
pensamento, e todas as boas conversas que tive com amigos e que resultaram em
mudanças de pensamento, e tudo o que escrevi movida pelos meus pensamentos, e
todas as noites em que perdi o sono por causa dos meus pensamentos, e todos os
filósofos que formataram e deram sentido aos meus pensamentos, e todas as
consultas ao psicanalista em que meus pensamentos foram cirurgicamente
dissecados, e todas as discussões que brotaram porque meus pensamentos não
combinavam com os dos outros, e todas as escolhas que fiz só depois que o meu
pensamento autorizou, sem falar na superioridade que o ser humano se outorga
por ter o privilégio de pensar e os bichos não.
Com
que topete vem alguém dizer que pensar nunca funcionou? A maior prova de que
pensar funciona é que depois de muito pensar nesse verso acabei chegando à conclusão
de que ele revela uma verdade, só que foi mal transmitida.
Pensar
demais nunca funcionou. Faltou o advérbio de intensidade.
Pensar,
a gente pensa mesmo que não queira. Estamos condenados à atividade cerebral,
cada um fazendo bom uso ou mau uso dos neurônios que têm. Não é a isso que
Socio se refere na música, imagino. Ele se refere a pensar demais. O demais
ficou subentendido, é o que deduzo.
Pensar
demais é uma insanidade, o que explica o fato de nós, mulheres, sermos todas
meio dementes. Pensar demais é um autoboicote, pois depois que se atravessa a
fronteira do pensamento controlado e se entra no território do pensamento
obsessivo a cabeça da criatura começa a fundir e a soltar fumacinha, até a
explosão final.
Pensando
demais, a gente ultrapassa a sensatez e vai dar numa zona de turbulência que
faz alguns parafusos se soltarem da fuselagem. A coerência desaparece e a
fantasia assume o manche. Deveria haver uma sinalização de alerta quando a
gente começa a pensar demais: desastre a 100 metros , desastre a 50 metros , desastre na próxima
curva – pare!
Pensar
demais é desperdiçar um tempo em que você poderia estar amando demais, se
divertindo demais e levando a vida a sério de menos. É uma corrida em que
sempre se passa voando pelo ponto de chegada, perdendo o rumo. É não ter freio
para evitar o descarrilamento de ideias que nunca serão recolhidas, ficarão
largadas na pista, sem dono. Pensar demais é uma estrada sem limite de
velocidade, um convite ao desatino.
É o
que penso. Moderadamente, como é recomendável.