sábado, 3 de janeiro de 2015


04 de janeiro de 2015 | N° 18032
MARTHA MEDEIROS

Pensar nunca funcionou

O músico uruguaio Socio compôs uma balada linda que se chama Fan de Faith no More e que escuto com frequência, apesar de uma parte da letra me intrigar. Lá pelo meio da canção ele diz pensar nunca funcionou, e a cada vez que ouço esse verso, penso: não, Socio, não é bem assim.

Logo me ocorrem várias experiências que vivi que só foram compreendidas através do pensamento, e todas as boas conversas que tive com amigos e que resultaram em mudanças de pensamento, e tudo o que escrevi movida pelos meus pensamentos, e todas as noites em que perdi o sono por causa dos meus pensamentos, e todos os filósofos que formataram e deram sentido aos meus pensamentos, e todas as consultas ao psicanalista em que meus pensamentos foram cirurgicamente dissecados, e todas as discussões que brotaram porque meus pensamentos não combinavam com os dos outros, e todas as escolhas que fiz só depois que o meu pensamento autorizou, sem falar na superioridade que o ser humano se outorga por ter o privilégio de pensar e os bichos não.

Com que topete vem alguém dizer que pensar nunca funcionou? A maior prova de que pensar funciona é que depois de muito pensar nesse verso acabei chegando à conclusão de que ele revela uma verdade, só que foi mal transmitida.

Pensar demais nunca funcionou. Faltou o advérbio de intensidade.

Pensar, a gente pensa mesmo que não queira. Estamos condenados à atividade cerebral, cada um fazendo bom uso ou mau uso dos neurônios que têm. Não é a isso que Socio se refere na música, imagino. Ele se refere a pensar demais. O demais ficou subentendido, é o que deduzo.

Pensar demais é uma insanidade, o que explica o fato de nós, mulheres, sermos todas meio dementes. Pensar demais é um autoboicote, pois depois que se atravessa a fronteira do pensamento controlado e se entra no território do pensamento obsessivo a cabeça da criatura começa a fundir e a soltar fumacinha, até a explosão final.

Pensando demais, a gente ultrapassa a sensatez e vai dar numa zona de turbulência que faz alguns parafusos se soltarem da fuselagem. A coerência desaparece e a fantasia assume o manche. Deveria haver uma sinalização de alerta quando a gente começa a pensar demais: desastre a 100 metros, desastre a 50 metros, desastre na próxima curva – pare!

Pensar demais é desperdiçar um tempo em que você poderia estar amando demais, se divertindo demais e levando a vida a sério de menos. É uma corrida em que sempre se passa voando pelo ponto de chegada, perdendo o rumo. É não ter freio para evitar o descarrilamento de ideias que nunca serão recolhidas, ficarão largadas na pista, sem dono. Pensar demais é uma estrada sem limite de velocidade, um convite ao desatino.


É o que penso. Moderadamente, como é recomendável.