sábado, 16 de maio de 2015


16 de maio de 2015 | N° 18164
DAVID COIMBRA

Coisas a fazer

Preciso aprender a meditar. Ouvi dizer que é muito importante. Vinte minutos por dia fazendo o “om” e você se torna outra pessoa. Uma pessoa oriental, mais calma, mais paciente. Você olha tudo com condescendência superior.

Legal. Quero ser outra pessoa.

Quando era guri, lia Hermann Hesse, e ele dizia que fazia o “om”. Já tentei fazer o “om” à noite, na cama. Sempre acabo dormindo, não medito nada e não me torno outra pessoa. Assim que abrir um curso de meditação, me inscrevo, isso é certo.

Outro curso que é certo que vou fazer é de História Universal, em Harvard ou na Boston University. Decidi fazer esse curso antes de fazer outra coisa que preciso fazer, que é o segundo tomo do meu livro Uma História do Mundo.

Também é certo que vou voltar a praticar exercícios físicos pelo menos três vezes por semana. Houve época em que nadava todos os dias, sabia? Nado forte, no mínimo 2 mil metros, volta e meia com calção e camiseta e puxando dois pequenos paraquedas que o feroz professor Fábio Noel amarrava à nossa cintura, nós, esfalfados alunos da Raia Sul.

Outra tarefa premente da minha lista é ver uma exposição de obras do Leonardo da Vinci que está acontecendo aqui no Museu Fine Arts. Há muitos museus importantes na região, tenho de estabelecer um cronograma de visitas.

Tantas coisas...

Ainda não aprendi a cozinhar o verdadeiro Bacalhau à Gomes de Sá. Se existe um prato de que gosto é o Bacalhau à Gomes de Sá. Alguém algum dia haverá de me ensinar a cozinhá-lo da forma como os velhos lusitanos cozinham na Pátria-Mãe.

Tem ainda o Sopranos. O Guilherme, da Beco dos Livros, jurou que Sopranos é melhor do que Breaking Bad e Roma. Disse que tenho de ver. Tenho. Então, verei.

No setor de filmes, não estou mal. Conferi a lista dos cem melhores de Hollywood e falta só um para assistir: Amor, sublime amor. Francamente, não me entusiasmo com um filme com esse título melequento, mas vi os outros 99, então, é como se fosse uma obrigação vê-lo. Vai para a lista.

Urge, também, que aprenda a me movimentar nas novas redes sociais, sob pena de ficar fora do mundo virtual, algo que ninguém quer. E atenção, doutor Xavier: preciso de lentes de contato e óculos novos. E, doutor Ramão: necessito ir urgente ao dentista. Além disso, faz três ou quatro anos que não compro calças jeans, hei de comprar pelo menos uma, qualquer dia desses, embora tenha preguiça de experimentar.

Mas nenhuma pendência talvez seja maior do que Ulisses.

Sim, Ulisses, de James Joyce. Tinha lá meus 17, 18 anos de idade e economizei para comprar esse livro. “É um divisor de águas da literatura”, os críticos escreviam. Dostoiévskis me mordam, tenho de ler esse romance!, pensei.

Lembro do dia em que finalmente o comprei, na Sulina da Borges. Era um cartapácio da espessura de um tijolo. Não li no ônibus, como estava acostumado com livros mais casuais. Aquela obra requeria alguma solenidade. Uma boa poltrona. Talvez um tinto, se o tivesse.


Acho que não tinha o tinto. Tinha a poltrona. Instalei-me nela e avancei com bravura por dezenas de páginas. A leitura me cansou. Voltei. Reli. Refiz o caminho. Cansei-me outra vez. Em três dias, resolvi que iria ler o Ulisses quando ficasse mais inteligente. Quando me tornasse outra pessoa. Quer dizer: tenho mesmo de aprender a meditar. Enquanto não aparecer um curso, vou tentando na cama, à noite. Hoje mesmo farei o “om”. Quem sabe amanhã não serei outra pessoa?