terça-feira, 7 de fevereiro de 2023


07 DE FEVEREIRO DE 2023
CAPA

Dois amigos em guerra

Com nove indicações ao Oscar, "Os Banshees de Inisherin" é o segundo filme mais premiado na temporada

Está em cartaz nos cinemas um dos títulos mais celebrados da temporada: Os Banshees de Inisherin, com nove indicações ao Oscar (veja salas e horários no roteiro da página 3). No dia 12 de março, vai disputar os prêmios de melhor filme, direção (Martin McDonagh, que também é o roteirista e um dos produtores), ator (Colin Farrell), ator coadjuvante (Brendan Gleeson e Barry Keoghan), atriz coadjuvante (Kerry Condon), roteiro original, edição (Mikkel E.G. Nielsen) e música (Carter Burwell).

Entre os 10 concorrentes à principal estatueta dourada, Os Banshees de Inisherin só perde para Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo no número de premiações. A lista inclui três Globos de Ouro: melhor comédia ou musical, ator (Farrell) e roteiro. Também está competindo aos troféus da Associação dos Diretores dos EUA, em 18 de fevereiro, e da Associação dos Produtores dos EUA, em 19 de fevereiro; em nove categorias no Bafta, que a Academia Britânica entregará na mesma data; e aos prêmios de melhor elenco, ator, ator coadjuvante (com Gleeson e Keoghan repetindo a dobradinha) e atriz coadjuvante no SAG Awards, concedido pelo Sindicato dos Atores dos EUA e marcado para 25 de fevereiro.

Nascido em Londres e filho de pais irlandeses, McDonagh, 52 anos, alterna a carreira entre teatro e cinema e já virou figura assídua no Oscar. Ganhou o prêmio de curta-metragem por O Revólver de Seis Tiros (2004). Depois, concorreu por Na Mira do Chefe (2008), pelo roteiro original, e por Três Anúncios para um Crime (2017), nas categorias de melhor filme e roteiro original.

Em O Banshees de Inisherin, o cineasta volta a trabalhar com Colin Farrell, protagonista de Na Mira do Chefe e de seu Sete Psicopatas e um Shih Tzu (2012). E novamente põe o ator irlandês a contracenar com seu conterrâneo Brendan Gleeson - no filme de 2008, os dois demonstraram química ao interpretarem assassinos de aluguel que precisam se esconder na cidade medieval de Bruges, na Bélgica.

A trama agora se passa na fictícia ilha de Inisherin, na Irlanda dos anos 1920. Farrell encarna Pádraic Suilleabháin, um pequeno produtor de leite que leva uma vida pacata na companhia de sua irmã, Siobhán (Kerry Condon, das séries Roma, Ray Donovan e Better Call Saul), e da burrica Jenny. Ela - Siobhán - parece ser a única moradora com maiores aspirações, o que provavelmente não inclui corresponder ao interesse amoroso de Dominic (Barry Keoghan, de Dunkirk e Chernobyl), o bobo do vilarejo, mas também um sujeito sensível e sofrido.

Essas duas características do personagem serão observadas pouco a pouco, pois, embora os 154 minutos de duração tornem Os Banshees de Inisherin o segundo mais curto competidor no Oscar de melhor filme - oito dos 10 ultrapassam as duas horas -, McDonagh e seu montador, o dinamarquês Nielsen (oscarizado por O Som do Silêncio), adotam um ritmo que pode ser considerado lento. Por outro lado, a cadência e a contemplação possibilitam ao público apreciar não apenas a beleza das paisagens gélidas e verdejantes e a rusticidade dos cenários, captadas pelo diretor de fotografia Ben Davis, mas também as nuances de interpretação - um outro tipo de paisagem, a do rosto dos atores. E a quietude, quando quebrada, valoriza os diálogos ora mordazes, ora pungentes, escritos como se fossem peças de ourivesaria.

Pádraic, por sua vez, parece ter como único compromisso a cerveja escura que toma no pub local, todos os dias, com seu melhor amigo, o violinista Colm Doherty (Brendan Gleeson). A propósito, o nome do filme vem de uma música que Colm está compondo e do folclore irlandês. Banshees são espíritos femininos que gritam e lamentam, sinalizando que um familiar morrerá em breve. Em cena, a Sra. McCormick, uma velha fumante de cachimbo, alude a essa figura.

Microcosmo

De cara, surge o conflito dramático: unilateralmente, sem muita explicação, Colm rompe a amizade. Passa a evitar o outrora companheiro de trago e conversa. Pádraic não se conforma, e a partir daí o filme torna-se uma tragicomédia.

Por si só, a situação nos engaja. Pensamos sobre nossos amigos, sobre o que oferecemos a eles, e vem à mente a clássica pergunta, "o que você faria?", tanto no lugar de Pádraic quanto no de Colm. Mas basta uma olhada ao horizonte para entender por que não é só o elenco que vem disputando prêmios.

Os personagens vivem em uma ilha, que geográfica e simbolicamente funciona como um microcosmo. Assim como há algo maior do que a ilha - o continente -, há algo maior no filme do que a cisão entre os amigos. Na costa do outro lado da água de Inisherin, pode-se vislumbrar as explosões denunciadas pelo som das balas de canhão. O pano de fundo é uma época tumultuada para a Irlanda: de 1919 a 1921, aconteceu a guerra da independência; em 1921, foi criada a Irlanda do Norte, cuja maioria é protestante (na Irlanda, predomina o catolicismo) e unionista, ou seja, quer permanecer parte do Reino Unido; entre 1922 e 1923, houve uma guerra civil provocada por desentendimentos a respeito do Tratado Anglo-Irlandês.

A batalha pessoal de Pádraic e Colm evoca esses homens que lutaram lado a lado e agora enfrentam um ao outro. Mas o microcosmo de Inisherin não serve como metáfora apenas da Irlanda ou apenas de uma guerra civil. Representa qualquer cenário onde alguma diferença - política, religiosa, sexual, esportiva etc. - se impõe e anula as muitas semelhanças. Onde as pessoas dão um dedo para não dar o braço a torcer. Onde o ressentimento queima e se alastra.

TICIANO OSÓRIO

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