quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023


16 DE FEVEREIRO DE 2023
O PRAZER DAS PALAVRAS

A mulher do faquir

O leitor Walter S., da vizinha cidade de Novo Hamburgo, comparece com uma interessante pergunta: "Professor, meu avô vivia contando recordações incríveis da infância dele em Porto Alegre, bem antes da invenção da TV. Disse que uma vez foi com a turma inteira do colégio visitar, num barracão armado no Parque Farroupilha, uma baleia de tamanho real, conservada em formol, que era anunciada no rádio como sendo a Moby Dick! 

Mas mais impressionado ficou com um faquir que se instalou no Centro Histórico e passou não sei quantos dias sem comer, sentado numa tábua de pregos, e que vivia atravessando as bochechas com pedaços de arame, sem fazer nenhuma careta de dor. Junto com ele tinha uma mulher que ficou algumas semanas encerrada numa caixa de vidro sem comer, só bebendo água, e que foi o maior sucesso porque era muito sexy. Minha dúvida: meu avô se referia a ela como faquira, mas sempre achei que não existia esse feminino, assim como não existem os masculinos ninfo ou odalisco. Estou certo ou botei um ovo, como se diz?".

Caro Wagner, foi só lendo a tua mensagem que me dei conta que tinha praticamente esquecido da existência dos faquires, que eram tão populares por aqui na segunda metade do século passado! Até mesmo a figurinha deles, com turbante, cama de pregos e a flautinha de encantar serpentes desapareceu das charges de humor, juntamente com a do náufrago isolado na pequena ilha cercada por tubarões famintos! E nem sabia, confesso, que também havia mulheres que se dedicavam a esta atividade, se posso dizer assim.

Ora, aí chegamos ao teu ponto: se elas existem, a língua cria uma forma de nomeá-las. Toureiro não tinha feminino porque era uma atividade só para homens; o tempo passou, e agora já temos toureiras (assim como agora temos coveiras, zagueiras, bombeiras, pedreiras e muito mais). No caso do faquir, teu avô simplesmente aplicou a terminação feminina A - faquira - o que seria um recurso válido em nosso idioma. Ao que parece, contudo, a preferência foi por outro caminho: criou-se faquiresa, à semelhança de baronesa, duquesa ou druidesa - e sem dúvida por influência do Inglês e do Francês, que têm fakiress e fakiresse, respectivamente. Quanto ao teu ninfo, acho que não vinga (a não ser no sentido figurado, em linguagem coloquial, onde se aceita dizer, em tom de brincadeira, "fulano é um ninfo", assim como "fulana é uma mita"). Já o odalisco, bem, este eu não duvido nada - até porque o Carnaval se aproxima...

Tendo atendido o amigo Walter, aproveito para responder à consulta da jovem Marúsia, de Vitória, Espírito Santo: "Vimos um vídeo no colégio em que um cientista famoso dizia que a palavra geometria é de origem egípcia. Falei disso a meu pai e ele jurou que achava que vinha do Grego, mas agora também ficou inseguro. O senhor explica?".

Prezada Marúsia, podes dizer a teu pai que ele está correto. A palavra vem do Grego mesmo, onde geo é "terra" e metria é "medida, medição" - a arte ou a técnica de medir a terra. Talvez a confusão seja tua, e não do cientista, que deve ter afirmado que a prática da geometria nasceu no Egito, por causa das cheias do Nilo, que inundavam os terrenos aráveis e desfaziam as marcas que identificavam a área de cada propriedade.

O historiador Heródoto explica isso com sua habitual clareza: "O faraó Sesóstris realizou a partilha das terras, concedendo a cada egípcio uma porção igual, com a condição de lhe ser pago todos os anos certo tributo. Se o rio carregava alguma parte do lote de alguém, o prejudicado ia procurar o rei e expor-lhe o acontecido. O soberano enviava agrimensores ao local para determinar a redução sofrida pelo lote, passando o dono a pagar um tributo proporcional à porção restante. Eis, segundo me parece, a origem da geometria, que teria passado desse país para a Grécia".

Por falar nisso, lembro aos filelênicos que estou formando novo grupo para o roteiro "A Grécia dos Mitos e dos Deuses", que partirá agora em abril, visitando os locais mais importantes para quem admira a mitologia e a cultura clássica: Atenas, Corinto, Epidauro, Argos, Micenas, Esparta, Olímpia e Delfos. Informações com a Porto Brasil Viagens, no fone 51 99982.0022 ou em @portobrasilviagens no Instagram.

O PRAZER DAS PALAVRAS

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