FERREIRA GULLAR
Quando dois e dois são cinco
A razão de tantas surpresas
talvez seja porque vivemos um período caracterizado pelo fim das ideologias
Não me lembro de nenhuma outra
campanha eleitoral para a Presidência da República tão imprevisível e
tumultuada quanto esta que estamos vivendo, agora, no Brasil.
Bastaria a morte absolutamente
extemporânea de Eduardo Campos, no momento em que as pesquisas favoreciam mais
a Aécio Neves que a ele, para deixar todo mundo perplexo e, mais ainda, com a
subida de Marina que, em poucas semanas, não apenas superou Aécio como também a
própria Dilma, até então, liderando as previsões.
Com isso, Aécio, que parecia ser
o adversário de Dilma no segundo turno, desabou a ponto de alguns companheiros
seus, do PSDB, o aconselharem a desistir.
Isso era, certamente, um exagero,
mas a verdade é que, ao que tudo indicava, ele já era carta fora do baralho.
Tanto era assim que, após o debate na TV Bandeirantes, os jornalistas todos se
dirigiram a Dilma e Marina, deixando-o de lado.
Quando uma jornalista
telefonou-lhe, nessa ocasião, ele perguntou se, para ela, ele ainda existia,
afirmando não receber um telefonema de jornal nenhum, de televisão nenhuma, há
dias. Claro, para todo o mundo, a disputa pela Presidência da República estava
entre Dilma e Marina.
Isso era o que quase todos pensavam,
menos Aécio que, para espanto geral, afirmava: "Vou para o segundo turno e
vou ganhar as eleições". Eu mesmo, ao ouvi-lo fazer tal afirmação, achei
um pouco estranho. Será que ele acredita mesmo nisso ou está dizendo para não
jogar a toalha?
Sucede que uma nova surpresa
estava por vir: Dilma, que parecia perder terreno para Marina, começou a
crescer nas pesquisas e Marina a cair.
A previsão de alguns analistas do
quadro eleitoral parecia se confirmar. Na opinião deles, a subida de Marina não
se sustentaria, passada a emoção provocada pela morte trágica de Eduardo
Campos.
Isso de um lado, porque, de
outro, ela foi de fato massacrada pelos petistas que inventaram tudo para
apresentá-la como um blefe, inimiga dos pobres, dos trabalhadores, da Petrobras
e não sei do que mais.
Porém, seja por que motivo tenha
sido, ela veio caindo nas pesquisas, a tal ponto que já alguns achavam que não
haveria segundo turno.
Os analistas políticos, os
comentaristas de televisão e jornal não sabiam explicar o que ocorria.
Nestes últimos meses, os
escândalos envolvendo a Petrobras e membros do governo (do PT e de aliados)
deixavam claro que a corrupção, já denunciada a propósito da compra da
refinaria de Pasadena, era um fato.
As denúncias feitas por Paulo
Roberto Costa ganhavam credibilidade, tanto assim que os responsáveis pela
apuração dessas denúncias lhe permitiram deixar a prisão e vir cumprir a pena
em casa.
Se não acreditassem no que ele
dizia, não fariam isso: pelo contrário, rejeitariam o acordo baseado na delação
premiada.
Por outro lado, o doleiro Youssef
também se propôs a dizer o que sabe em troca da redução da pena. Era de
espantar que, em face de tudo isso, Dilma continuasse a crescer nas pesquisas
de opinião.
Se mais de 70% dos brasileiros
querem mudança, por que mais de 40% votariam nela, ou seja, na continuidade do
que aí está? Fora isso, a economia do país não cresce e a inflação aumenta. A
preferência por Dilma era um mistério.
Eis que, no entanto, a realidade
de novo nos surpreende: Aécio começa a crescer, passa Marina e se aproxima de
Dilma.
Chega-se ao primeiro turno e o
resultado das urnas é outra surpresa: Aécio não apenas ultrapassa Marina, como
se aproxima perigosamente de Dilma, que, por sua vez, parou de crescer.
O resultado das urnas mostrou que
a maioria do eleitorado, dividido entre Aécio e Marina, supera a votação em
Dilma. A vitória da oposição, para espanto geral --especialmente dos
petistas--, tornou-se viável.
É um espanto por dia e de tal
modo que os comentaristas temem arriscar qualquer previsão. Qual é a razão de
tantas surpresas? Talvez seja porque vivemos um período caracterizado pelo fim
das ideologias.
Mas cabe aqui ressaltar um fato:
o desempenho de Aécio Neves que, contra todas as previsões, enfrentou a queda
nas pesquisas, a descrença de muitos e conseguiu dar a volta por cima.
Ele se mostrou realmente capaz de
nos ajudar a sair do atoleiro.