terça-feira, 9 de maio de 2023

09 DE MAIO DE 2023
CARLOS GERBASE

Sandina

"Sábado todo, eu chorei de mágoa. Minha garota foi pra Manágua lutar pela revolução." Assim começa a letra da canção Sandina, do grande compositor gaúcho Jimi Joe, meu companheiro de redação na Folha da Tarde em 1979 e, pouco depois, parceiro em shows que envolviam minha banda (Os Replicantes, que incluíram Sandina em seu repertório) e a banda do Jimi (Atahualpa y us Panquis). Assim, algumas vezes os espectadores eram brindados com duas versões diferentes da música na mesma noite. Ninguém reclamava. Sandina era recebida com festa em todo Brasil.

A revolução que derrubou a ditadura da família Somoza na Nicarágua em 1979 já havia gerado outra obra musical, esta de repercussão planetária: o álbum triplo Sandinista! da banda The Clash, em 1980. Era claro o apoio dos ingleses aos revolucionários batizados em homenagem a Augusto César Sandino, guerrilheiro que lutou contra a influência dos Estados Unidos em seu país nas décadas de 1920 e 1930. O punk rock sempre foi político e detestou déspotas como os Somoza. Todos os sandinistas, por outro lado, pareciam dignos de respeito e admiração. Isso durou até que conheci uma "sandina" real. Seu nome é Mónica Baltodano.

Primeiro li uma entrevista da Comandante Mónica, realizada por Rodrigo Lopes, aqui mesmo na Zero Hora. Depois tive a oportunidade de ouvi-la ao vivo. O golpe de realidade de suas palavras foi muito duro. Mónica lutou ao lado de Daniel Ortega e, militando na Frente Sandinista de Libertação Nacional, ocupou cargos no governo. Pouco a pouco, Ortega mostrou seu verdadeiro caráter: autoritário, personalista e inimigo da democracia. Sua esposa não fica pra trás. Depois da família Somoza, a virtual dona do país agora é a família Ortega, com apoio dos grandes grupos econômicos nicaraguenses. Desde 2005, Mónica está na oposição. Mas ser oposição numa ditadura cobrou seu preço: ela foi expulsa, perdeu sua nacionalidade e vive exilada no Exterior, onde procura mostrar em que se transformou seu sonho revolucionário.

"Não se pode aspirar transformações econômicas e sociais na base da renúncia da liberdade. Não se pode pensar em transformação do modelo se não há compromisso com os direitos humanos, com livre mobilização, livre pensamento", afirma Mónica. A democracia vive do debate de ideias, da alternância das pessoas no poder, do respeito às minorias, da luta pela igualdade. Na Nicarágua de hoje, nada disso acontece. A Comandante Mónica me abriu os olhos para uma dolorosa realidade: Ortega é um ex-revolucionário que se transformou num ditador. Pactuar com seu governo é fechar os olhos para seus desmandos autocráticos e renegar o sonho libertador de Sandina.

CARLOS GERBASE

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