segunda-feira, 15 de maio de 2023


"Ainda tenho muita coisa para fazer. Não sei bem o que é, mas tenho"

MARTINHO DA VILA cantor e compositor

Apesar de levar a vida devagar, devagarinho, Martinho da Vila não para. Cerca de um ano após seu último lançamento, Mistura Homogênea, o sambista lançou um novo trabalho. Trata-se de Negra Ópera, álbum que se distingue de tudo o que já foi feito por ele até aqui. Uma prova de que, aos 85 anos, segue disposto a reinventar a própria arte.

O disco está disponível nas plataformas digitais e conta com participações de nomes como Renato Teixeira e Chico César. Em entrevista a GZH, Martinho da Vila falou sobre o disco, os planos futuros, a vida e a morte. Confira:

Quando o senhor lançou Mistura Homogênea, chegou a dizer que não lançaria mais álbuns completos. Que bom que não era verdade (risos). O que mudou nesse meio tempo? É verdade, falei mesmo (risos). É que hoje é tudo digital, não tem mais as coisas físicas, então falei que lançaria só uma ou outra música de vez em quando. Mas aí, incentivado pelo pessoal da gravadora, resolvi fazer esse outro disco. E está aí, botei no ar.

O senhor não somente lançou um novo disco, mas um disco completamente diferente. Uma ópera, afinal. Por que decidiu explorar esse conceito?

Eu já gravei muitos discos, né? Aí só gravar mais um disco não teria muita graça. Acho que até por isso eu falei que não lançaria mais álbuns inteiros (risos). Então pensei: "Poxa, se eles (gravadora) querem que eu faça mais um disco, vou ter que achar uma coisa diferente". Folheando o livro Ópera Negra, que eu escrevi, veio a ideia.

Uma referência, um dos grandes gênios da música brasileira. Isso poderia colocá-lo em uma certa zona de conforto. Quem já se sente realizado, acha que já fez muita coisa ou acha que é o cara, já pode até morrer. Já fez tudo, pô (risos). Enquanto se está vivo, tem que estar ativo. Ainda tenho muita coisa para fazer. Ainda não sei bem o que é, mas tenho.

Chama atenção que as canções, especialmente as inéditas, exploram sonoridades muito ligadas à ancestralidade negra. Por que trazer esses sons ancestrais para a sua ópera?

Eles têm a ver com a temática da ópera. A história do negro tem a ver. A ópera é uma peça bonita, complexa, muito bacana. Tirando a história, que geralmente é triste.

Seu disco, apesar de entoar o ritmo do samba, também carrega uma dramaticidade, traz letras bastante fortes.

Tendo a ópera como referência, a intenção foi mesmo fazer algo mais dramático, bem como ficou. Aí fomos pesquisando, encaixando músicas, até que fechou.

Há muitas canções sobre morte. Chama atenção, afinal, o senhor é o cara que canta que a vida vai melhorar.

A morte está muito presente mesmo, né? (risos). Foi acontecendo, acho que por conta dessa coisa da ópera, mas eu mesmo não sou alguém que costuma pensar na morte. Ela vai chegar quando tiver que chegar e tudo bem. Claro, quando a gente está com algum problema de saúde, pensa um pouquinho mais (risos). Tive que fazer uma cirurgia, para retirar um tumor da bexiga, aí dei uma pensadinha. "Ih, caramba. Será que já tá perto?". 

Mas, no geral, não penso muito. Eu creio que a minha morte vai ser bonita, não vai ser uma coisa tristonha. Eu sou do samba, e o pessoal do samba transa bem com isso. O velório do sambista é na quadra da escola do samba, com o povo cantando músicas do falecido, quando vê, já vira uma festa. É uma coisa até boa de assistir, tipo uma ópera (risos).

CAMILA BENGO 

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