quarta-feira, 10 de maio de 2023

Relação entre avós e netos é um grande suporte emocional

Após experiência com os filhos, interação com a geração seguinte é apontada por especialistas como segunda chance

A cada aniversário das netas, Jussara Trindade Terres, 64 anos, compra um bolo, capricha na decoração, marca o horário para o Parabéns a Você e tira fotos. O nascimento de Alice Terres Barbosa, 11 anos, e Helena Terres Barbosa, oito, redefiniu a vida da avó, acomodando-a com conforto em um ofício que, de início, assustou- a: avó, já?

Teria tudo para serem festinhas como tantas, não fosse um componente fundamental: Jussara mora em Guaíba, na Região Metropolitana, e as meninas, em Lauro de Freitas (BA), cidade para onde a família se transferiu por conta da carreira profissional do pai. A mudança, anos atrás, afastou as três companheiras frequentes. O começo da nova etapa foi difícil, com lágrimas dos dois lados da tela.

- Eu não conseguia ligar porque tinha vontade de chorar. Elas lá naquela distância toda... Fui uma avó muito presente - recorda a psicóloga, que não contém a emoção ao destacar que Alice já está ingressando na pré-adolescência, "não vai mais ser criancinha", temendo que isso as afaste.

A relação próxima, viva e afetuosa entre avós e netos é um grande suporte emocional para o idoso, em uma fase da vida em que a solidão e perdas, não raro, somam-se com o decorrer dos anos. Conectar-se com os afetos, presencial e virtualmente, segue sendo uma iniciativa que requer investimento das partes envolvidas.

O médico psiquiatra e psicanalista Alfredo Cataldo Neto, professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), lembra que mudanças no modo de vida e nos costumes alteraram a convivência entre avós e netos nas últimas décadas. Antigamente, havia a grande família, com marcante presença do avô e da avó, em casas, em especial no Interior, que permitiam acolhimento. Hoje em dia, visitar os avós, quase sempre, demanda deslocamento, o que substitui a convivência direta de outros tempos.

Aprimorar

Outro ponto fundamental desse relacionamento é a representação intrínseca de segunda chance. Após a criação dos filhos, esses pais e mães são realocados em novo âmbito, podendo repetir os cuidados da primeira vez e, principalmente, aprimorá-los. Idosos que não foram tão presentes na vida dos filhos ou que erraram em outras frentes podem, nesta retomada, desempenhar de outra forma esse papel.

- Eu recomendaria que todos tivessem netos. O neto é a nossa segunda época, a oportunidade de fazer melhor. Às vezes, a pessoa foi um excelente pai e vai ser um avô ainda melhor - diz o professor.

Lorena Caleffi, psiquiatra do Hospital Moinhos de Vento, destaca que a interação entre avós e netos é uma forma de incentivo para que o idoso se reposicione dentro da família. Estar aposentado ou em vias de se aposentar, com os filhos já crescidos e independentes, é comum nesse período da vida, que ainda é muito mal planejado - assim como a velhice de forma geral.

- No momento em que existe possibilidade de se relacionar com os netos, a pessoa se sente útil de novo. Há retroalimentação em uma relação afetiva ímpar. Assim como os avós podem ser considerados pai e mãe "com açúcar", os netos podem ser filhos "com açúcar". (...) A relação entre avós e netos é muito positiva e de prevenção de complicações: ter perspectiva de futuro, objetivos, planejamento, "quero ver meu neto se formar". Também estimula a pessoa que vai envelhecendo a continuar se cuidando para estar o mais saudável possível, investir no bem-estar pensando no futuro - comenta Lorena.

Comprovando que saúde física e mental estão intimamente interligadas, Lorena dá o exemplo de outra área do seu trabalho: especialista em tratamento da dor, ela sabe que pacientes sem perspectivas na vida não melhoram.

Renascer

Jussara e as netas que vivem na Bahia não conversam diariamente por vídeo. Os bate-papos ocorrem, em geral, até quatro vezes na semana. Os horários variam - por vezes, interagem às 7h, quando estão se preparando para o começo do dia. Dia desses, Alice precisava compor um poema como dever de casa. Ligou para Jussara, pedindo ajuda. A chamada durou mais de uma hora. Avó e neta inventaram um poema, que a professora acabou achando muito longo.

Jussara acredita que a distância acaba por ser minimizada com essa forma de enfrentar a situação:

- O vínculo, depois que você o cria, não interessa se é presencial. É o vínculo que importa. Sempre digo que a internet pode ser muito perigosa, e é, mas pode nos ajudar muito no sentido de aproximar. As distâncias inexistem quando você usa isso com emoção. O que conta é a emoção.

Para Jussara, a relação com as meninas representa renascimento.

- Minha primeira neta, em especial, tem um significado. Ela me ensinou a ser avó. Eu não queria ser avó, não queria envelhecer. Sou uma mulher madura que tenta se reconstruir por dentro para que isso venha para fora e me torne uma pessoal jovial - explica.

Outro aspecto que passa pelos pensamentos de Jussara é o futuro, quando nem estiver mais por aqui.

- Quem é a avó que quero ser quando não existir mais? O que quero que minhas netas lembrem de mim? O legado que quero deixar é o de uma avó alegre, com quem se pode contar, mas que também é rigorosa - resume. 

LARISSA ROSO

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