terça-feira, 23 de maio de 2023


23 DE MAIO DE 2023
CARLOS GERBASE

O fim da Cultura

A Livraria Cultura faz parte significativa da minha vida. Primeiro na capital paulista, depois aqui em Porto Alegre. Em minha primeira viagem sozinho a São Paulo, lá por 1976, aguentando sem problema algum as 18 horas de ônibus (a juventude faz milagres), comprei vários livros bacanas na loja do Conjunto Nacional. Lembro com especial carinho da coletânea de contos O Homem de Fevereiro ou Março, de Rubem Fonseca, pela Artenova (que bela editora!), com histórias de Os Prisioneiros, A Coleira do Cão e Lúcia McCartney. Eu já tinha lido Feliz Ano Novo, grande e decisiva indicação do professor Jorge Appel nas aulas de literatura do IPV: "Comprem logo, antes que a censura apreenda".

Essa overdose de Rubem Fonseca, naquele momento específico, acabou influenciando muito o que eu viria a escrever e filmar nos anos seguintes. A linguagem coloquial, o realismo dos personagens, o estilo seco e direto, a dureza da vida marginal, em narrativas que perdiam totalmente a ternura, para reencontrá-la algumas páginas adiante, enfim, tudo que está contido no universo fonsequiano ainda mantém relação com aquela Livraria Cultura. 

Mas, atenção, ela era grande, mas não era gigantesca, não tinha vários andares, não tinha café, não vendia jogos nem roupões de banho. Vendia livros. Às vezes me pergunto se a ambição desmedida de alguns comerciantes, que ampliam seus negócios num ritmo absurdo e depois não conseguem pagar suas dívidas, não é uma das principais razões de falências no capitalismo neoliberal.

Quando a Cultura de Porto Alegre abriu, foi um deslumbre. Nem a Globo, em seu auge, tinha tanta variedade. A seção de arte era sensacional, e ali gastei um bom dinheiro em livros de fotografia. Vê-la definhando pouco a pouco, as estantes cada vez mais vazias, os funcionários conhecidos desaparecendo, os espaços sendo realocados para mais uma loja de roupas ou de quinquilharias, foi bem dolorido. E as lembranças? Aqui peguei um autógrafo do Luis Fernando Verissimo! Ali acompanhei um evento sobre Moacyr Scliar! Acolá conversei com Luiz Antonio de Assis Brasil!

Para quase tudo, porém, há remédio. Vamos valorizar e visitar cada vez mais a Bamboletras, na Venâncio Aires; a Londres e a Traça, na Osvaldo Aranha; a Taverna, na Rua da Praia; a Via Sapiens, na República. Cito apenas as que ficam mais perto da minha casa e têm livros novos. Há muitas outras pela cidade. E os sebos! E nem é preciso entrar num shopping. Aliás, como é bom passar por uma vitrine, andando ao léu, e ser chamado por uma capa de livro. Isso pode acontecer, acredite. Teu Rubem Fonseca está te esperando.

CARLOS GERBASE

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