terça-feira, 30 de maio de 2023



30 DE MAIO DE 2023
NÍLSON SOUZA

O ocaso da amizade

Li no El País digital. Vou logo dando a fonte porque o assunto tem potencial para controvérsias: a amizade entre os homens está minguando. Isso mesmo, segundo a reportagem, uma das tendências comportamentais pós-pandemia é a redução do número de amigos autênticos, principalmente entre os jovens do sexo masculino. Pesquisas de institutos respeitáveis como o Gallup demonstram que o percentual de cidadãos com pelo menos seis amigos próximos caiu pela metade - e mais de 20% dos norte-americanos consultados declararam não ter nenhum amigo íntimo.

Antes de entrar nas teses elaboradas para explicar o fenômeno, cabe fazer uma ressalva de gênero. A inusitada evasão de amigos atinge predominantemente os homens porque, na visão dos observadores, eles são educados para esconder suas vulnerabilidades emocionais, o que dificulta ainda mais a consolidação de amizades íntimas.

Até pode ser, mas uma das teses justificadoras da nova tendência - e a que mais me impressiona - atinge todos e todas. É a alegada falta de tempo para o cultivo de amizades. Com a migração da vida real para o mundo digital, as pessoas renunciam às interações presenciais para se dedicar a amizades virtuais - abundantes, mas superficiais. A plataforma Medium de jornalismo social até sugere uma fórmula matemática de testagem de amizades verdadeiras: 11-3-6. Para transformar um conhecido em amigo, são necessários 11 encontros de três horas de duração num período de seis meses. Quem, hoje, teria disponibilidade para isso?

Claro que há exceções. Confrarias, clubes de amigos com interesses comuns, praticantes de esportes e hobbies ainda operam por aí, unidos e solidários. Nem sempre, porém, a parceria momentânea perdura. Além disso, o que mais se vê atualmente em certos grupos é o encontro de solidões, indivíduos reunidos no mesmo ambiente, mas concentrados no mundinho individual dos seus equipamentos eletrônicos.

Ora, amizade é mais do que proximidade. É a convicção espiritual de que alguém acredita e confia em você. De que adianta ter um milhão de amigos nas redes sociais - e ninguém para trocar um abraço sincero e reconfortante na vida real? Como hoje tudo se resolve com decretos e medidas provisórias, proponho uma intervenção legal: a imediata aplicação do parágrafo único do artigo IV do Estatuto do Homem, escrito pelo poeta Thiago de Mello: "O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino". Revoguem-se as disposições em contrário.

NÍLSON SOUZA

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