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17/05/2023 - 17h23min
Fabrício Carpinejar17/05/2023 - 17h23min

Comércio e lar no mesmo endereço

Quando as suas realizações e seu estilo de vida estão próximos, os segredos e medos das relações são superados pela honestidade da presença

É muito comum, no interior do Estado, ter o comércio na parte de baixo da própria casa. São residências antigas de dois andares, um para atendimento ao público e outro para a família. O modelo que um dia já soou anacrônico, diante da atual estrutura híbrida das grandes empresas, renovou o seu alvará.

Não tem nem como chegar atrasado ao trabalho, você somente precisa descer um lance de escadas. Pode dormir até trinta minutos antes de abrir o expediente. Pode tomar o café tranquilamente, sem se desgastar com o engarrafamento ou com chuvas torrenciais.

Foi o primeiro home office que existiu. Você está sempre entre os dois mundos. Não sofre se deixou algo para trás no escritório, ou se depende de um casaco a mais com a queda de temperatura.

Reina a tranquilidade da gestão. Esqueceu cafeteira ligada, sobe para desligá-la. Necessita um documento ou um cartão, sobe para resgatá-lo. Não fica apreensivo com os lapsos da pressa.

O cheiro do ambiente, qualquer que seja a natureza do comércio, é também característico de um lar. Um cheiro humano de gente convivendo e circulando com frequência. Não prepondera no local o odor dos móveis, da tinta das paredes, das máquinas. Persiste uma doçura no ar do banho tomado. Como se houvesse o vazamento no térreo do que acontece dentro da residência lá de cima.

Uma vez que você está recebendo clientes sem sair do lugar, fica menos estressado. Tem uma maior disponibilidade para atender, sem se preocupar com o que fará nos intervalos. Não é refém do lazer e descontração do cafezinho como se fosse o único momento de respiro. Para almoçar ou jantar, desaparece sem chamar atenção.  

Sua produção e foco profissional crescem efetivamente, sobrando tempo livre, pois metade das aflições e angústias decorre da interação doméstica acompanhada a distância. Eliminam-se as distrações das mensagens no WhatsApp e telefonemas. Não sofre da obrigação de ligar a nenhum familiar para saber como está, já que todos se encontram separados apenas por uma porta.

Com os pais mais acessíveis, o que costuma acontecer é que os filhos queiram depois assumir o negócio. Não mudam de carreira. Sentem gosto em prosseguir com a área de atuação e ampliar os tentáculos da tradição.

A herança se estabelece ao natural porque a manutenção daquela fonte de recursos é partilhada desde cedo. Ninguém vê o emprego como uma ameaça à intimidade, como um inimigo do bem-estar, como um enigma da inveja, como um ladrão da vida pessoal.

Quando as suas realizações e seu estilo de vida estão próximos, os segredos e medos das relações são superados pela honestidade da presença. As paredes escutam e falam.