quarta-feira, 24 de maio de 2023



23/05/2023 - 16h38min
Fabrício Carpinejar

O significado dos chaveirinhos

O chaveiro é a chave da personalidade, ultrapassando a sua função decorativa. Ninguém precisa perguntar a minha profissão para descobrir que sou poeta. Já entrego a minha estranheza no molho de chaves

Posso saber como é o temperamento de alguém pelo chaveiro do molho de casa. O chaveiro é a chave da personalidade, ultrapassando a sua função decorativa. No objeto, sempre existe uma alma acenando da fechadura.

Minha esposa tem um dado laranja enorme de pelúcia. Ela só pode carregá-lo na bolsa. Impossível comportá-lo no bolso de tão escandaloso. Mostra que ela sofre por perder objetos com frequência— por isso o chaveiro enorme — e conta com a sorte para encontrá-los — por isso o dado.

Elementar, meu caro leitor.

Meu chaveiro é um passarinho de um museu. Um passarinho de uma asa. Ninguém precisa perguntar a minha profissão para descobrir que sou poeta. Já entrego a minha estranheza no molho de chaves. Há pessoas com chaveiros de logotipo da empresa. Mostram que se dedicam inteiramente ao emprego e não têm nem tempo de comprar um chaveiro.

Há pessoas com chaveiros de um olho grego, ou de uma pimenta, ou de um pé de coelho, ou de uma mão de madeira fazendo figa. Talvez você pense que representam um povo esotérico ou supersticioso contra a inveja e o mau-olhado. A verdade é que tiveram uma separação conturbada e não querem ver o ex pela frente. É proteção para que ele nunca apareça, uma porta fechada no amor.

Há pessoas com chaveiros de seus clubes. São desligadas dos detalhes, valorizam apenas o título de um campeonato e jamais pensariam em um chaveiro. Na maior parte das vezes, receberam de presente de um familiar ou amigo como homenagem ao seu fanatismo.

Há pessoas com chaveiros daquele canivete que vira saca-rolhas, chave de fenda, cortador de unha, abridor de lata, mil e uma utilidades. São mecânicas da existência miúda, cientistas do trivial, dispostas a consertar o mundo. Venha com um problema, que elas se sentem valorizadas.

Há pessoas com chaveiros de alguma viagem especial. Guardam um lembrete de que ainda desejam voltar para aquele lugar, ou registram um marco fundamental de suas trajetórias, como excursão com os colegas da escola, a primeira vez que viram o mar, lua de mel, aventura com amigos, deslocamento pioneiro com recém-nascido.

Há pessoas com chaveiros que são brindes de concessionárias para prender na calça. Gostam de ficar na rua o máximo possível. Odeiam permanecer em casa no final de semana. Há pessoas com chaveiros religiosos. Indicam que são agradecidas por terem superado uma doença ou alcançado uma graça.

Há pessoas com chaveiros de desenhos animados ou de personagens de filmes. São nostálgicas de um tempo sem tanta responsabilidade, com mais fantasia e imaginação, saudosas de uma época feliz da sua vida. Há pessoas que colocam chaveiro em tudo. 

Nem a descolada e independente chave do carro escapa. Se fosse possível, colocariam o enfeite na chavinha do armário da academia, do banco, do trabalho. São sentimentais, derramadas, protetoras. Portam nos amuletos o seu próprio nome ou palavras de incentivo e devoção, tais como  “gratidão”, “gratiluz”, “te amo”.

Há ainda os chaveiros com etiquetas. Pertencem a quem acabou de alugar ou comprar um apartamento, ou a um corretor imobiliário. Se a chave anda avulsa, já antevemos a solidão do seu dono.

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