sábado, 3 de setembro de 2016


03 de setembro de 2016 | N° 18625 
PIANGERS

Minha maior crítica



Estávamos gravando um comercial para um grande evento musical. Eu fazia um personagem humorístico na frente das câmeras, gravando pequenas vinhetas para serem exibidas no dia da transmissão. Minha filha não tinha com quem ficar naquele dia, então ela estava ali, vendo o pai se vestir com uma camisa florida, correntes de ouro falso, chapéu e algum constrangimento por estar fazendo comédia pela primeira vez na frente da minha maior crítica: ela mesma.

Inevitavelmente, na saída do estúdio, a Anita me disse: “Pai, seu personagem não tem graça nenhuma”. Ela diz essas coisas como se fossem naturais, emendando logo em seguida algo como “Aquelas câmeras custam caro?” ou “Por que o estúdio é todo pintado de azul”. Eu respondi “são” e “não sei” para as perguntas, mas o primeiro comentário é o que ficava na minha cabeça. Não tenho graça nenhuma. Se fosse uma manchete de jornal não teria tanto impacto quanto teve saindo da boca da minha filha.

Perdi o aniversário da Anita uma vez. Precisei trabalhar. Ela me lembra disso todos os dias. Eu me arrependo todos os dias. É bom que ela me diga essas coisas. Mantém mole o meu coração.

Faz mais ou menos uns seis anos. No elevador do prédio, vizinhos simpáticos perguntaram para a Anita como era ser filha de uma figura da mídia. Ela olhou o homem bem nos olhos e, ali mesmo na minha frente, respondeu: “Ele é meio ausente”. Foram os seis andares mais demorados do mundo, cheios de hehehe, veja bem, sabe como é criança.

Sabe como é criança. Criança fala o que pensa. Criança fala o que sente. Não fala isso, meu filho, que isso é falta de educação. Não fala do nariz do moço, não fala da comida na frente do garçom. Digo sempre que ela deve ser educada, gentil com as pessoas. Comigo não precisa. Sou apaixonado pela forma como a Anita me critica. Ela me faz tentar ser melhor, mais presente, mais sensível, mais engraçado. Nem sempre eu consigo, e ali está ela, de olhos grandes e voz rouca, pra me lembrar.