sexta-feira, 23 de setembro de 2016


23 de setembro de 2016 | N° 18642 
CLAUDIA LAITANO

Retalhos


Ao lado da minha cama, ocupando a função de arranjo de flores e o lugar de um despertador, a caixa dos contos completos do Tolstoi vela meu sono. Não está ali para disputar a vez na fila de leituras nem pela ausência de outros espaços na casa onde pudesse descansar com a devida privacidade. Está na minha cabeceira pelo que representa (Tolstoi, muito à vontade no cargo, simbolizando todos os escritores a quem um dia jurei amor eterno) e pelo prazer que me dá olhar para um livro bonito todas as noites antes de dormir. Esta obra-prima editorial, um dos últimos lançamentos da Cosac Naify, pode ser comprada no site da Amazon, que adquiriu parte do acervo da editora, por pouco mais do que R$ 100 – menos do que uma pizza por cada um dos três volumes.

Ninguém apostaria que uma editora que tratava o livro como objeto de arte teria uma vida muito longa no mercado editorial brasileiro. Quando o editor Charles Cosac anunciou que estava encerrando as atividades da casa, no final do ano passado, muita gente lamentou, mas ninguém se surpreendeu. O Brasil lê pouco e mesmo que a minguada fatia leitora comprasse livros da Cosac Naify regularmente ainda assim seria difícil que um negócio tão ambicioso (e, dizem, caótico nas contas) prosperasse por aqui, menos ainda em tempos de crise.

Perder uma editora é sempre triste. Atrás de cada empresa ou pessoa que trabalha com livros no Brasil, há uma aposta no futuro – nas crianças, na educação e na improvável (e resistente) corrente formada por leitores que formam leitores em um país onde o incomparável privilégio de adquirir o hábito da leitura é quase um pequeno milagre.

Ontem ficamos sabendo que existe, sim, algo ainda pior do que perder os livros que nunca serão publicados: destruir aqueles que já existem. O site de notícias Publishnews, especializado em mercado editorial, revelou que os livros em estoque da Cosac Naify que não forem vendidos até o final do ano serão transformados em papel picotado. O diretor financeiro da editora argumenta que é muito caro guardar tantos livros e que doar é contabilmente inviável. Ao que tudo indica, a prática é mais comum do que se imagina, ainda que ninguém goste muito de falar sobre o assunto, por razões óbvias.

Triste e injusto destino. Enquanto alguns livros velam o sono dos seus leitores – caídos no chão, empilhados na cabeceira, abraçados nos óculos embaixo da cama – outros deixam de ser sem nunca ter sido. Por motivos estupidamente contábeis.