segunda-feira, 5 de setembro de 2016



05 de setembro de 2016 | N° 18626 
DAVID COIMBRA

Vá lavar uma louça

Cara, eu sei lavar uma louça. Método, entende? Tenho método. E aí, desculpem-me os ecovigilantes, mas é preciso usar água em abundância. A torneira fica aberta, a água jorra a 42 graus centígrados e eu ali, calculando, que tudo é calculado: os talheres acondicionados dentro do maior copo, onde se derrama a cascata ensaboada que escapa dos pratos que estão sendo limpos com critério.

Devido ao meu sistema... Não espere que vá revelar meu sistema. Afinal, o adquiri com enorme esforço e vasto estudo, décadas de experiência, tentativa e erro, tentativa e erro, incansavelmente, como um Einstein perscrutando a Relatividade. Todo esse trabalho não se entrega assim, você que crie o seu próprio sistema ou pague caro, em dólares americanos ou euros alemães, para saber qual é o meu, até porque, como dizia, devido ao meu sistema, gasto menos água do que os ecovigilantes, que ficam abrindo e fechando a torneira a todo momento. É que minha lavação é rápida, é eficiente. Não há louça pesada que não equacione em seis minutos e meio, no máximo.

Já estou imaginando você de mão no queixo e sobrancelha erguida, quiçá indicador ereto, pronto para fazer o questionamento capital:

– E quanto a arear? Sim. Admito. O processo de areamento pode fazer com que se despenda mais tempo na lavação. Mas também para arear tenho método, e esse não desenvolvi: aprendi com a minha avó.

Aí estava uma mulher que sabia arear uma panela. Não se fazem mais mulheres com aquela fibra. Olhe para as mulheres que se destacaram no impeachment. Gleisi Hoffmann, com aquele seu narizinho de escorregador e o seu tê do Paraná profundo, “leiTE quenTE faz bem pra genTE”. Olhe bem para ela: nunca areou uma panela. O que sabe ela da vida?

Chatolas gritarão: “O quê??? Está nos mandando lavar louça???”.

É precisamente o que estou fazendo. Vão lavar uma louça. Lavar louça faz bem para as células cinzentas, diria Hercule Poirot.

Lembro do meu avô, que era sapateiro. Ele dizia que, enquanto trabalhava, pensava. Como quem toma mate. É fato que o mate ajuda o gaúcho a pensar. Tanto quanto qualquer trabalho manual que exige concentração motora, mas não intelectual.

Por que você acha que Arquimedes só descobriu sua fórmula famosa depois que mergulhou o próprio e redondo corpo na banheira? Obviamente, porque o ato de tomar banho corresponde ao trabalho manual a que me refiro. Você vai fazendo aquilo e refletindo. De repente, sai pelado pela casa, como Arquimedes, a gritar: “Eureka!”.

O mundo de hoje, tão veloz e tão pulsante de apelos visuais, carece de reflexão.

Chatolas continuarão: “E o homem, não lava?”.

Pois lava. Reconheço um bom lavador de louça a uma légua de distância.

Quer ver um? Sergio Moro. Não é que suspeite: SEI que Moro lava uma louça quase tão bem quanto eu. Porque: que homem que gosta de limpeza!

Renan? Não lava, nunca lavou. Se lavasse, deixaria pela metade, arrumaria compromisso, escaparia do serviço com uma artimanha.

Dilma? Não deixe que lave. Se o arroz queimar um pouquinho, ela vai acabar furando o fundo da panela. Uma tragédia, a Dilma na cozinha. Sartori? Parcelará a lavação. Um prato por hora. E dirá: “Não fui eu quem sujou essa louça”.

A verdade é que nos faltam bons lavadores de louça. Quem lava louça, cisma, considera e por fim pondera. Ninguém mais pondera. Ninguém mais sabe arear uma panela neste país.