segunda-feira, 5 de setembro de 2016


05 de setembro de 2016 | N° 18626 
VERISSIMO

Papai Noel

Acabou não sendo nem uma questão política, nem uma questão jurídica, mas uma questão semântica. Afinal, o que o governo Dilma fez foi crime ou não foi crime? Na interpretação da acusação, foi crime imputável (horrível palavra) evidente. Para a defesa, não foi. Os argumentos dos dois lados eram incisivos e coerentes. 

No fim, a escolha foi entre dois tipos de histrionismo, já que era tudo teatro mesmo – e no fim não fez a menor diferença, pois os 61 senadores que imputaram (desculpe) a Dilma e os poucos que estavam a seu favor já tinham a cabeça feita. Foi golpe ou não foi golpe? Outra questão semântica. Teve cara de golpe, cheiro de golpe, penteado de golpe – mas há controvérsias.

Preocupo-me muito com o Leigo, essa simpática figura de retórica que nunca sabe nada de nada. O Leigo deve estar se perguntando como é que advogados e economistas que se criaram no mesmo lugar, foram amamentados da mesma maneira, estudaram nas mesmas escolas (fora alguns que passaram por Harvard) chegam a conclusões tão diferentes, todas baseadas nos mesmos números, nos mesmos fatos e na mesma Constituição. 

Como é – deve estar pensando o Leigo – que a Dilma é imputada por práticas não ortodoxas e proibidas, mas que não impediram outros presidentes de praticá-las no passado, impunemente? Por que o Tribunal de Contas da União acordou do seu sono profundo para examinar as contas da Dilma, depois de ignorar as contas de todos os governos do Brasil desde as do Getúlio Vargas? Inclusive as do Juscelino, pai do reinado das empreiteiras? O pobre do Leigo cada vez entende menos.

E está aí o Temer. Jamais, em toda a história do país, viu-se uma carreira política tão fulminante. Tudo começou com a sua carta a Dilma queixando-se de ser uma figura decorativa no governo, de não ser convidado para nada, e, quando era convidado, ter que entrar pela porta de serviço. 

Todos nós que escrevíamos cartas para o Papai Noel sabíamos, no fundo, que ele não nos traria a bicicleta ou o Forte Apache pedidos. O Temer deve ter tido a mesma sensação de estar pedindo o impossível, um pouco de importância e de atenção. Nunca poderia imaginar que ganharia, de presente, um país inteiro.