terça-feira, 6 de setembro de 2016



06 de setembro de 2016 | N° 18627 
DAVID COIMBRA
Não aguento mais o saudável debate de ideias

Como esse pessoal ficou chato. Credo. Estão todos se achando o Che Guevara. Eles não eram assim, por Deus. Eram pessoas normais. Você nem era avaliado, quando conversava com eles.

O pior é que essa chatice criou outra, de natureza aparentemente oposta, mas que os iguala: surgiram uns caras que pensam que são o Charles Bronson, que sentia Desejo de Matar 1, 2, 3, 4, 5...

Que porre. Não aguento mais o saudável debate de ideias, a defesa do estado democrático de direito, a luta contra os preconceitos, a contestação a quem é politicamente correto e a quem é politicamente incorreto.

Não podemos ter apenas alguns momentos de contemplação?

Aquela bela mulher que passa. Olhe as pernas dela. Lindas pernas, longas como o suspiro da nostalgia. E... Não! Não é sexismo, nem machismo, nem “coisificação” admirar pernas lisas como o caminho da virtude, torneadas como a pista do Grande Prêmio de Mônaco e provavelmente macias como o quindim que era vendido no bar da Zero Hora, sem deixarem de ser rijas como a zaga formada pelos irmãos Pontes no Gaúcho de Passo Fundo. Não é errado olhar para elas. Nem comentar com um amigo. Partilhar a visão de pernas de louça da moça com um amigo é um tipo de generosidade.

Outra: o futebol não é o ópio do povo. Outro dia, o Potter me mandou um vídeo de uma invertida de jogo do Messi. Ele estava numa lateral do campo e a bola veio alta. Sem permitir que ela tocasse no solo, ele simplesmente deu-lhe uma chicotada, ela decolou, sobrevoou toda a extensão horizontal do gramado e aterrissou no pé de outro jogador do Barcelona, lá no lado oposto. Coisa bem linda. Se escrevesse um parágrafo inteiro sobre esse pequeno lance de jogo, não seria algo superficial, meu amigo com consciência social. Seria, tão somente, escrever sobre algo bonito.

E a medalha de ouro que ganhou a Rafaela Silva, no judô, sabe o que significa? Não significa coisa nenhuma para o país, nem para os negros, nem para os pobres, nem para os ricos, nem para os brancos, nem para as mulheres. Significa só que a Rafaela Silva é uma pessoa dedicada e uma ótima atleta, que ela merece aplausos e que ela lutou bem na Olimpíada. Só isso. O que é bastante. Para a Rafaela Silva.

E quanto ao Temer? E o Lula? E o Aécio? E a Dilma? O que eles significam? Muito menos do que você pensa. Apreciar a beleza de uma mulher ou de um lance de jogo de futebol, bater palmas para uma atleta brilhante, sorrir depois do primeiro gole de chope cremoso com os amigos do bar, ler um romance noir do James Ellroy, assistir ao filme do Mogly com seu filho, isso tudo e quase tudo o mais é muito mais importante do que o que hoje parece importante.

Você não é o Che Guevara. Nem o Charles Bronson. Se fosse, pior para você, porque o Che Guevara e o Charles Bronson eram tão chatolas quanto equivocados. E, o pior, não tomavam banho.