quinta-feira, 22 de setembro de 2016



22 de setembro de 2016 | N° 18641 
L.F. VERISSIMO

A passagem


Li que o programa de interiorização de médicos, inclusive médicos de outros países – a maioria de Cuba – tem sido um sucesso, depois de veementemente combatido na sua implantação. Um dos resultados desta e de outras iniciativas na mesma área é que diminuiu o índice de mortalidade infantil no país, talvez o principal parâmetro para se julgar um governo. O programa da casa própria não alcançou todas as suas metas, mas alcançou o bastante para dar moradia decente a milhares de famílias. O acesso à educação superior democratizou-se como nunca antes. O Bolsa Família tirou muita gente da miséria.

O que essas e outras medidas de inclusão social têm em comum é que representam o que os neoliberais mais odeiam, que é a intervenção de um Estado centralizador no que, segundo eles, deveria ser tarefa do mercado. O Temer já disse que não vai mexer em nenhum dos programas sociais deixados pelo PT, mas, cedo ou tarde, mesmo contra a sua vontade, a lógica de uma opção pela austeridade e pelo Estado mínimo o levará a trair sua vontade, se é que ela existe mesmo. Você não vai para a cama com a Fiesp esperando manter sua virtude.

Se o que o PT deixou na sua longa passagem pelo governo foi fruto de contabilidade criativa, corrupção e tudo mais o que lhe atribuem, às vezes com gráficos e “PowerPoint”, também foi fruto de uma clara priorização de carências sociais inédita na nossa história. Isto não é uma defesa do rouba mas faz, é uma lembrança de que a passagem do PT não deixou só lixo, deixou pelo menos uma tentativa de diminuir a desigualdade e a injustiça social que nos assolam.

É difícil encontrar entre os analistas econômicos do país um defensor do Estado keynesiano. Para ter-se algum tipo de respaldo na crítica ao nosso conservadorismo reacionário, deve-se recorrer a estrangeiros, gente como o Paul Krugman, o Joseph Stiglitz e agora o Thomas Piketty, que chama a austeridade pregada pelo capital financeiro pelo seu nome verdadeiro, um ardil para o status continuar quo, num mundo dominado pelo neoliberalismo.