segunda-feira, 12 de setembro de 2016



10 de setembro de 2016 | N° 18631 
DAVID COIMBRA

Tome distância e admire o PT

Caetano disse que só é possível filosofar em alemão. Pois acho que deve ter mesmo alguma coisa na língua alemã que estimula a introspecção. Talvez a possibilidade de unir várias ideias numa única palavra, como a famosa Rindfleisch­etikettierungs­über­wachungs­aufgaben­übertragungs­gesetz. Você sabe o que significa.

O fato é que na Alemanha desenvolveu-se o famoso tripé do conhecimento, Kant, Schopenhauer e Nietzsche, mais aquele zagueirão de pedregosa compreensão, Hegel, mais aquela dupla de atacantes que funcionava como Paulo Nunes e Jardel, os bons amigos Marx e Engels. E outros tantos, entre eles Marcuse, radicado nos Estados Unidos, mas que, antes disso, foi luzidio integrante da Escola de Frankfurt.

Foi essa Escola de Frankfurt que concebeu as práticas de atuação da esquerda pós-Marx, nem tão centradas na economia e mais no comportamento e na cultura.

Estou sendo rasteiro, claro. Não é possível explicar uma escola de pensamento em uma só página de jornal, mas posso dizer que a filosofia de Marcuse está na base de quase toda crítica social que se faz ao capitalismo. A crítica ao consumismo, por exemplo, e muitas mais.

Talvez seja possível afirmar que Marcuse e a Escola de Frankfurt inventaram um tipo de deboche intelectual muito usado no século 20. No fim dos anos 1970, Cacá Diegues reclamou do que chamou de “patrulha ideológica”. Pois a patrulha ideológica é um subproduto da Escola de Frankfurt. É daí que vem a postura mais agressiva da esquerda. Quer dizer: não foi algo criado pelo PT.

Foi isso que enfrentou Roberto Campos, no tempo da ditadura. A esquerda conseguiu tirar-lhe a seriedade e transformá-lo em um tipo folclórico. O que não quer dizer que Roberto Campos fosse santo ou que estivesse certo em tudo. Não era, não estava; ninguém é, ninguém está.

Mas as ideias de Roberto Campos mereciam um pouco mais de consideração, porque eram bem fundamentadas.

Uso-o como exemplo para mostrar que essa prática da esquerda vem de longe, mas quero chegar ao presente, a um fenômeno extraordinário, que é o PT.

Nunca, na história do Brasil, um partido ou qualquer grupo humano conseguiu a façanha que consegue o PT.

O PT sempre foi eficiente em rotular e desmoralizar os adversários, como as velhas esquerdas fizeram com Roberto Campos. E não só os da direita. Brizola, que ocupava um espaço importante nos anos 1980 e 1990, ficou marcado como caduco, caudilho e populista. Hoje, todos falam bem de Brizola. Naturalmente, ele não ocupa mais espaço algum. Mas, na época, era preciso destruí-lo, e ele foi destruído.

Mais recentemente, em 2014, Marina Silva, que era considerada por Lula a estrela de seu ministério, foi tão assacada, que se transformou em uma pasta política informe.

E agora, neste 2016, o PT alcança uma proeza histórica. Estou encantado, e isso não é ironia. É lindo de observar o que o PT conseguiu fazer. Se você tiver distanciamento intelectual suficiente, concordará comigo. Esqueça o que você acha bom ou ruim, certo ou errado. Analise, apenas:

Ficou demonstrado que os governos do PT tiveram problemas de corrupção na Petrobras, na Eletrobras, nos Correios e Telégrafos, no Incra, no BNDES, nas obras do PAC, nas obras da Copa, nos fundos de pensão e nas campanhas eleitorais, além de outros setores de menor importância. Os governos do PT não tocaram nenhuma das reformas de que o Brasil precisa (previdenciária, política, tributária etc). Lula teve um relacionamento promíscuo com as empreiteiras. Dilma disse uma coisa na campanha e depois de eleita fez outra. Dilma cometeu irresponsabilidade fiscal. Mais de 20 ministros de Dilma enfrentavam alguma pendência com a Justiça. A ação do governo Dilma resultou em 12 milhões de desempregados e na maior crise da história do país.

Com tudo isso, é evidente que Dilma teria de sofrer impeachment, até porque Collor sofreu por me-dá-cá-aquele-Fiat-Elba.

Realmente, Dilma foi impichada. E como o PT reagiu? Como o marido flagrado na entrada do motel com a ajudante do dentista: negou, esperneou, ficou indignado.

E deu certo!

Dilma recebe rosas, Chico Buarque botou uns óculos escuros e foi ao julgamento, os intelectuais escrevem arrazoados sobre o “golpe” e os black blocs queimam lixeiras.

Foi uma resposta tão enérgica quanto sutil, tão ardilosa quanto sensível. É um jogo bonito de assistir. Mas não me chame para participar.