sábado, 17 de setembro de 2016


17 de setembro de 2016 | N° 18637 

DIANA CORSO

AMOR-PIJAMA


Um relacionamento duradouro chega e fica na nossa vida como um pijama. Para dormir e amar prolongadamente, cada um de nós tem seus caprichos, pois são experiências de entrega. A roupa prescrita para atender a esses momentos de maior autenticidade e fragilidade partilha origem e destino com a pessoa junto de quem vamos fechar os olhos e relaxar.

Qualquer um sabe que trajes de dormir são muito diferentes dos festivos, sociais ou de trabalho. Para sair, escolhemos um estilo que nos represente com a curadoria de uma espécie de marqueteiro interior, afinal, uma imagem vale por mil palavras. Para a cama vale o oposto, a comodidade significa ter despido a indumentária preparada para ser vista.

É preciso sentir-se totalmente aconchegado e seguro para fechar os olhos e ir para a terra dos sonhos deixando o corpo para trás. A consciência do que é imprescindível para esse momento delicado vai sendo desenvolvida aos poucos. Talvez seja essa a maior sabedoria da velhice, o design do nosso pijama perfeito.

Para uns, pijama deve ser quase nada, outros gostam de sentir o contorno dos tecidos arroupando sua pele. Há os que prendem a calça nas meias, odeiam quando ela se embola, deixando uma nesga a descoberto, são os de pés gelados. Outros espalham suas pernas livres, mas não abrem mão (pé, no caso) das meias. Não são os mesmos dos pés inquietos, que mapeiam o colchão como se lessem braile.

Os de sono agitado devem evitar alças ou tiras sob o risco de se estrangular durante a noite. Os que dormem imóveis como vampiros em seus caixões poderiam trajar linho na cama, que amassa só de olhar. Pode-se dormir como Marilyn Monroe, só com duas gotinhas de Chanel número cinco. Tem quem se vista só a caminho da cama e logo se despe, como se fosse fazer amor com os lençóis. Muitos não têm pijamas oficiais, apenas camisetas e abrigos velhos (mas apreciados), designados para o serviço noturno.

Amar é baixar a guarda, fechar os olhos vigilantes, os monstros podem estar de baixo da cama, jamais sobem em cima dela. Já nossos amores partilham dessa fortaleza rodeada de perigos, é preciso confiar neles como se fossem companheiros de batalha. Por isso, a escolha amorosa responde às mesmas prescrições meticulosas dedicadas ao dormir.

Quando esbarramos naquele que se tornará um longo amor, do mesmo modo que em uma roupa que acabará sendo perfeita para dormir, não sabemos ainda que permaneceremos juntos por tanto tempo. É diferente da certeza maníaca da paixão, quando juramos ficar juntos até a morte. Paixão é como traje de festa, é incômodo, mas nos sentimos lindos, um tanto nervosos e excitados. Nada contra, faz parte do encantamento. Depois disso, a diferença entre as paixões que passam e as que ficam estará no pijama.

Sem perceber, usamos a mesma fórmula no amor e no pijama. Sem solenidade, nem grandes inquietudes, vamos determinando o jeito como revestimos, ou não, nosso corpo para dormir. O amor será tão durável quanto for encaixando-se nesse lugar.

Grandes amores e bons pijamas são os que vacilamos em substituir por novos que desconheçam nosso corpo e hábitos. Pode ser alguém que nos aconchegue, que encaixe, ou mesmo seu oposto, quem nos deixe sem toques ou amarras para sonhar. Os estilos variam tanto quanto as pessoas. Só sei que o amor será escolhido por nossa parte que dorme.

As paixões são eloquentes, derramam discursos sobre as razões pelas quais o destino planejou esse encontro. Os amores são lacônicos, despretensiosos de palavras, quase afásicos. O tempo de uma relação duradoura não destrói o amor, apenas o vínculo passa para a categoria de pijama, que é o difícil de explicar, de tão íntimo e entranhado que é. O amor termina quando as pessoas deixam de ser alguém em quem confiamos como em nosso pijama.