terça-feira, 20 de setembro de 2016



TODO GAÚCHO É PAMPIANO

REJANE PENNA MARTINS - Doutora em História Ibero-Americana, trabalha no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul

Pampa – nome indígena. Significa região plana, a paisagem que domina parte do Uruguai, Argentina e, no Brasil, apenas o Rio Grande do Sul. Mais de 60% do território é pampa, constituindo-se na única grande área natural restrita a um único Estado brasileiro.

E cruzando esses campos a figura do gaúcho, termo aqui utilizado abrangendo homens e mulheres e que se refere tanto à população do Rio Grande como a um tipo social específico originário do pampa. Esta região, com suas fazendas de pecuária extensiva, foi o centro do poder econômico do Estado antes da expansão da indústria e da acelerada urbanização ocorrida na primeira metade do século 20. 

Sua importância econômica diminuiu, mas, no imaginário, a marca da natureza pampiana e de seu habitante permaneceu, de forma natural, ou por vezes construída, como a imagem típica do Rio Grande do Sul. E foi assumida pela maioria dos que nasceram gaúchos, mesmo que descendentes de imigrantes europeus que chegaram somente no século 19.

Na verdade, o pampiano, cujo vestuário masculino inclui esporas, botas, bombacha, pala e chapéu, é uma grande mistura de índios, descendentes de europeus e de africanos, mas sempre se considerou herdeiro dos míticos índios charrua. E faz sentido, já que a região do pampa estava sob o exclusivo domínio dos charrua nos tempos da colonização, até desaparecerem na luta com os espanhóis.

Mas sabe-se que a simbologia que integrou a construção da figura do gaúcho não foi toda fundamentada em pesquisas e acontecimentos reais. Parte dela sofreu o que os historiadores denominam de “invenção das tradições”, em que elementos da realidade mesclam-se a criações ideológicas, surgindo um produto fruto tanto de processos reais como imaginários. 

Conveniências políticas unificaram as diversas etnias que construíram o Rio Grande em uma figura masculina, heroica, destemida, única e agregadora. Como pano de fundo – o pampa; como movimento – o cavalo. Hoje é impossível imaginar a conquista dessas terras, inicialmente desprezadas pelos dominadores portugueses e espanhóis, sem a figura do centauro dos pampas. O homem e seu cavalo, quase como uma coisa só, percorrendo as distâncias infinitas.

O pampa não é todo o Rio Grande, mas é como se fosse. Na verdade, por convicção ou ilusão, o gaúcho escolheu o pampa como o seu símbolo, o seu lugar de estar, de ficar “ensimesmado” olhando a paisagem que se estende, imensa, até onde a visão alcança. Sem obstáculos. Só céu e campo. O resto é ventania.

*Professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS)