terça-feira, 6 de setembro de 2016



06 de setembro de 2016 | N° 18627 
LUÍS AUGUSTO FISCHER

DECADÊNCIA,ACAMPAMENTO E BRAVATA


O governo do Estado atrasa salário, falta segurança, nomeia-se um secretário problemático para a área, o futuro é cinza, tudo parece decadência, mas o pessoal já está no Parque da Harmonia acampado. Algum paradoxo nisso? Talvez não, ainda mais que o Acampamento Farroupilha entrou para a rotina anual da cidade. No começo ainda havia algum estranhamento, mas agora dá a impressão de que acampa-se ali desde antes das charqueadas e da invasão de Zeca Neto.

Nada tenho contra o fato ou as pessoas envolvidas, que estão fazendo o que lhes parece interessante e não aborrecem os outros, até pelo contrário, mas não me canso de me espantar com a coisa. E me ocorre que acampar ali, em plena cidade, é uma forma enviesada de bravata. Escrevi um pequeno texto sobre isso um tempo atrás, quando me dei conta de quão profundamente arraigada entre nós é essa forma cultural.

Basicamente, a bravata é um sucedâneo do duelo, do confronto mano a mano, ou mesmo da guerra, em sentido amplo; a bravata é uma simbolização do fantasma da fronteira, uma maneira encontrada pela cultura sul-rio-grandense, essa de origem estancieira e guerreira, para continuar lutando com inimigo. A estrutura básica da bravata é a mesma da payada, ou do repente, o desafio de vencer o outro num torneio, verbal ou outro ainda mais imaterial, em todo caso simbólico, para ser o último a dizer alguma coisa, para não perder a pose, para manter o aspecto de guerreiro vencedor, triunfante sobre o adversário.

O acampamento é uma fala sem palavras: tu, cidade, achavas que eu tinha me rendido, mas nada disso – cá estou eu, me afirmando contra ti. Com celular e internet, mas contra a hegemonia da modernidade urbana.