quarta-feira, 17 de junho de 2020


17 DE JUNHO DE 2020
MÁRIO CORSO

Coaching de faxina

Terapeutas recebem pacientes cujo tema é limpeza. Na verdade, a verdadeira paixão é a sujeira, mas disso eles só se darão conta depois. São pessoas que lavam as mãos todo tempo, não entram com o sapato da rua em casa, esterilizam o que vem de fora. Acham estranho que o parceiro não entenda que é preciso tomar banho antes, durante e depois das relações sexuais.

Essas pessoas sabem que exageram, mas não conseguem livrar-se de um cotidiano ritualizado, orientado a separar o puro do impuro, ou numa fuga contínua dos germes malignos. Quando procuram ajuda, é porque a vida virou um inferno emocional e sanitário.

Depois da pandemia, esses mesmos pacientes comparecem nas consultas - remotas, é claro, eles foram os primeiros a aderir - sorridentes e faceiros. Sentem-se na vanguarda da humanidade. Finalmente o mundo teria se dado conta de que estão certíssimos. Seu arsenal de álcool gel, Pinho Sol e desinfetante é a tendência. Como connaisseurs de hipoclorito, dão as dicas de uso e marcas aos neófitos. Antes solitários e incompreendidos, ganharam amigos sendo coaching de faxina.

Quanto às máscaras, possuem um enxoval completo. Sabem quais são os requisitos de uma verdadeira proteção facial. Acreditam que é uma excelente ideia. O ar, além de contagioso, é sujo. A partir de agora, poderão circular com sua face de assaltante de banco sem causar estranheza.

Hoje, ao invés de nos ouvir, vertem conselhos. Afinal, se eles tivessem sido escutados, e seu modo de vida seguido, o mundo não estaria de joelhos. Dizer o quê? O contágio existe, os germes são perigosos, a limpeza é essencial...

Nós, os sujismundos, aprendemos que lavar as mãos é um rito em que cada detalhe faz diferença. Entramos, não sem resistência, no balé complexo e cadenciado de que uma mão lava a outra.

Outrora esses pacientes sofriam com a vida paralisada pela compulsão de higienizar-se. Mesmo após terminar uma limpeza, duvidavam da eficiência dos atos precisos e ensaiados. O irônico é que estamos nessa.

Para eles, viver é contaminar-se. Só sentem-se seguros ao sair impecáveis do banheiro, segurança que já começa a caducar ao atravessar o vão da porta. Por isso voltam e voltam. A vida conspurca, melhor evitá-la.

Já sentiram-se assim? E mais, acabamos parecendo-nos com outros queixosos: os fóbicos. Estes que não saem de casa, evitam aglomerações e lugares fechados. Conhece alguém assim? Como essas pessoas, um dia vamos ter que nos curar do medo de viver. Mas ainda é cedo.

MÁRIO CORSO

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