sábado, 20 de junho de 2020



20 DE JUNHO DE 2020
LYA LUFT

O amor simples

Alguém vai sorrir e dar de ombros ao ler este título: amor simples? Bah.

Se tudo na vida é complicado, o amor tende a ser isso, multiplicado e múltiplas vezes. Ou não? Depende do amor, do tempo, do casal, das circunstâncias. Hoje em dia, casais e famílias encerrados na pandemia, muitos amores se renovam, outros se veem estilhaçados, o anel que me deste se quebrou.

Não sei se tenho muitas amizades firmes e fortes hoje em dia. Algumas se foram porque a Senhora Morte as levou, e de várias nunca me recuperei. Outras, uma, duas, simplesmente sumiram sem um adeus e, depois de algum tempo de perplexidade, desisti. Muitas ficaram e outras surgiram, tenho a sorte de ter aquelas amizades da vida inteira, e algumas novas, que são sempre um refrigério, renovação e aprendizado.

Nesta fase de reclusão, que vai me cansando e enlouquecendo muita gente, nunca tanto valorizei a internet, o Whats, o Instagram, o Face, pontos de encontro, troca de recados, afetos, debates, risos e também tristezas.

Quando pequena, eu tinha poucas amigas reais: não se usava muito isso de dormir ou comer na casa dos outros, não havia praticamente vizinhas da minha idade. Mas eu tinha amigos imaginários, de que já falei: uma família inteira. Familinha, diminutos, vestidos de verde, chapeuzinho pontudo. Eu os sentava no peitoril da janela e conversava com eles. Imaginação infantil, ou de verdade gnomos benfazejos? Criança enxerga o que adultos há muito deixaram de ver.

Na escola comecei a entender amizade e coleguismo. Afinal já podia visitar amigas e elas vinham à minha casa. Sempre havia as mais ligadas em mim e as mais ligadas entre si: eu, em geral a mais novinha e maior, mais pateta para muitas coisas, ficava um pouco de fora. Mas adorava dançar de mãos dadas no pátio da escola, cantiga de roda, sobretudo - ao entardecer nos dias de calor - na calçada de casa. Outros tempos. Quando, já escurecendo, a criançada ainda corria ou girava na rua, eu tinha de entrar: banho, comer e cama. Surgiram daí minhas revoluções bobas e prematuras: "Por que tenho de entrar se as outras podem continuar brincando? Por que tenho de comer e logo dormir? Por que, por que, por quê?".

Por isso e outros motivos, sempre desejei crescer. Ser jovem, adulta, entrar na maturidade, envelhecer: cada vez ficaria mais independente, mais livre. "Ninguém é livre", me diziam. É, sim, eu teimava. Livre para ler ou caminhar quando quisesse, para dormir quando sentisse vontade, para comer algo além de purê de batata, peito de frango e canja. Para ler quando e quanto quisesse, e casar, e ter filhos, coisa que eu mais queria, e, de novo, tempo para sonhar e ler.

E para as grandes, verdadeiras amizades.

Amigo, esse que não cobra, não trai, não tem inveja nem ciúme, nem te deixa na mão - e, mesmo quando não te entende, te curte -, como eu espero ser para os meus, é esse amor simples de que falo no título. E nos salva.

LYA LUFT

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