segunda-feira, 29 de junho de 2020


29 DE JUNHO DE 2020
CLÁUDIA LAITANO

Polifonia


Democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras. Nem mesmo o homem que tornou esse aforismo famoso, Sir Winston Churchill, escapou da recente onda iconoclasta. No início do mês, durante protestos em apoio ao movimento Black Lives Matter em Londres, a imponente estátua de Churchill instalada em frente ao Parlamento britânico foi vandalizada - e agora corre o risco de terminar seus dias guardada em um museu.

Churchill foi uma das figuras centrais na vitória dos Aliados durante a Segunda Guerra, mas, em quase 70 anos de vida pública, não se manteve imune a erros e contradições. Quando, no final da guerra, celebrou a vitória da democracia, certamente não estava pensando que todos os cidadãos do mundo eram iguais e desfrutavam dos mesmos direitos. Pelo menos não tão literalmente quanto é legítimo reivindicar em 2020. Qual seria sua posição em relação ao Brexit ou à crise migratória? Como enfrentaria os protestos contra o racismo?

Também não imagino como um político que nasceu no século 19 reagiria ao ver o avanço das teorias conspiratórias e dos "fatos alternativos" no espaço público. Uma cena que ilustra como a democracia tornou-se complexa - e penosa - aconteceu na semana passada, na Flórida, durante um debate em um conselho distrital a respeito do uso obrigatório de máscaras. Cidadãos que são contra a medida tiveram a chance de subir à tribuna para, democraticamente, exporem seus pontos de vista. O que se viu a seguir foi um desfile de teses delirantes, ora embasadas em inclinações políticas (o presidente americano, como o nosso, achou muito inteligente e razoável empurrar um problema de saúde pública para o terreno do embate ideológico), ora em fanatismo religioso.

O ataque às estátuas e a reivindicação do direito de negar a ciência estão entre os muitos desafios à democracia com os quais estamos tendo que aprender a lidar em tempos de "polifonia" (muitas vozes falando ao mesmo tempo) e "monologismo" (um lado negando a legitimidade do outro). Até onde vai o meu direito à liberdade quando ele ameaça o bem-estar coletivo? Como pontos de vista antagônicos podem conviver antes que se chegue a um consenso? Como ouvir alguém dizer ou fazer algo que você considera absurdo e continuar defendendo valores essenciais para a democracia?

Ninguém disse que era fácil. Ninguém avisou que seria tão difícil.

CLÁUDIA LAITANO

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