terça-feira, 14 de junho de 2022


14 DE JUNHO DE 2022
NÍLSON SOUZA

O dia em que enfrentamos o Brasil

Ah, eu sou gaúcho. Mas isso, por mais que eu ame o lugar em que nasci, não me faz melhor do que ninguém. Nem me torna menos brasileiro, ainda que alguns patrícios, de vez em quando, por motivos políticos e ideológicos, se julguem proprietários exclusivos das nossas cores e dos nossos símbolos. Teve um dia, porém, em que a gauchada encarou o Brasil - e eu, por força do meu ofício, fui testemunha ocular daquele episódio histórico.

Não estou me referindo à Guerra dos Farrapos, não sou tão antigo assim. Mas garanto-lhes que foi quase uma guerra, que terminou sem vencidos nem vencedores e, felizmente, também sem mortos e feridos. Refiro-me, como os leitores mais rodados já devem ter percebido, ao maior jogo de futebol da história deste Estado, disputado há 50 anos entre a Seleção Gaúcha e a Seleção Brasileira.

Resumo da ópera: dois anos depois da conquista do Tri no México, a Seleção Brasileira, convocada para disputar o Torneio do Sesquicentenário da Independência do país, deixou de fora o tricampeão Everaldo, do Grêmio. Mais: o treinador Zagallo sequer cogitou chamar Claudiomiro, do Inter, que vivia grande fase. Então o centroavante colorado, no seu estilo simplório, fez uma provocação:

"Quem sabe a gente faz um joguinho entre nós e eles, para ver quem é melhor".

Por incrível que pareça, a ideia prosperou. Os presidentes da CBD e da Federação Gaúcha marcaram o jogo, o Beira-Rio recebeu o maior público de sua história e a torcida gaúcha vaiou a Seleção Brasileira do início ao fim. Grande partida, três gols para cada lado e desabafo irônico dos astros nacionais Rivelino e Paulo César Caju ao final, pedindo seus passaportes para voltar ao Brasil.

Naquele dia, um sábado, 17 de junho de 1972, os rio-grandenses, vestidos de azul e vermelho, deram uma trégua na rivalidade e formaram a maior torcida mista de todos os tempos: mais de 100 mil pessoas no Beira-Rio. Como repórter iniciante na crônica esportiva, participei da cobertura do desagravo a Everaldo e voltei de barco para o centro da cidade, pois não havia como sair rapidamente do estádio devido ao grande congestionamento de trânsito.

É verdade que o nosso time estava reforçado por estrangeiros - o chileno Figueroa, o uruguaio Ancheta e o argentino Oberti -, mas, se a memória não me ilude, eles já tomavam chimarrão e até mexiam com os lábios na hora do "modelo a toda Terra".

Não vencemos, mas os vizinhos aí de cima passaram a ter mais cuidado para não pisar no nosso pala.

NÍLSON SOUZA

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