quinta-feira, 30 de junho de 2022


30 DE JUNHO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

MANOBRA NADA SECRETA

Planejada meticulosamente pelo bloco parlamentar conhecido como centrão, que abriga representantes de vários partidos no Congresso e costuma usar sua supremacia numérica para defender interesses próprios, está em curso na Câmara uma manobra para manter sob controle desse grupo o orçamento secreto de 2023, independentemente do resultado da eleição presidencial. A estratégia tem como objetivo o manejo de uma cifra estimada em R$ 19 bilhões, destinada às chamadas emendas de relator - nome que faz referência ao congressista designado por seus pares para intermediar verbas do orçamento reservadas para emendas individuais e emendas de bancada.

Trata-se, na verdade, de um generoso percentual do Orçamento Geral da União que vem sendo utilizado sistematicamente para o troca-troca político entre o Executivo e sua base de apoio no parlamento. Não é ilegal, pois os parlamentares se autoconcederam esse privilégio de direcionar recursos públicos para suas bases eleitorais. Mas não se pode dizer que seja republicano nem transparente, uma vez que sequer fica registrado em nome de qual parlamentar o gasto foi efetivado. Daí resulta o apelido "orçamento secreto".

O orçamento até pode ser secreto, mas a esperteza da manobra em curso é evidente: a cúpula da Câmara trabalha para embutir na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 uma regra que obriga o presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e o relator da LDO a assinarem as indicações das emendas do orçamento secreto. Atualmente, apenas o relator-geral do orçamento tem essa função. Se a mudança for bem-sucedida, bastará às lideranças do centrão colocar nas funções decisórias nomes comprometidos com o bloco que dita as regras no parlamento. É o que está sendo articulado, sob o pretexto disparatado de que assim haverá mais transparência.

Ora, o próprio centrão é uma organização pouco transparente. Formado por parlamentares de vários partidos, o grupo, na sua composição atual, tem sido frequentemente associado à chamada velha política e ao fisiologismo, por atuar mais em defesa dos interesses pessoais e partidários de seus componentes. Apesar de ser um bloco informal - como também o são as chamadas bancadas setoriais que defendem causas específicas -, sua atuação fragiliza a finalidade prioritária do Legislativo, que é legislar e fiscalizar os atos do Executivo em nome do conjunto de cidadãos.

Mas o bloco existe, tem inegável poder de fogo e costuma utilizá-lo para pressionar o Executivo, especialmente em períodos pré-eleitorais como o atual. Se esse potencial para a negociata já é preocupante, a existência de um orçamento secreto só faz aumentar a suspeita de que a gestão do dinheiro público não está sendo exercida com a lisura e a transparência devidas aos contribuintes.

Os integrantes do centrão se defendem, argumentando que se trata de um movimento institucional articulado para garantir a governabilidade do Executivo e o equilíbrio de forças no Congresso em torno de ideias convergentes. Porém, a manobra nada secreta pelas verbas do orçamento contradiz essa narrativa autoindulgente. 

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