quarta-feira, 29 de junho de 2022


29 DE JUNHO DE 2022
JEFERSON TENÓRIO

O Rio Grande e a reparação histórica

Participei recentemente de um ensaio fotográfico para a National Geographic. As fotos e a matéria especial foram produzidas pelo fotógrafo Marcio Pimenta e trazem a trágica história dos Lanceiros Negros na chamada Revolução Farroupilha, período da mais longa guerra civil do país (1822-1889). A guerra liderada pelas elites gaúchas tinha um caráter separatista e republicano. Desse modo, para angariar mais força em seu exército contra o império, líderes dessa revolução recrutaram negros escravizados para lutarem a seu favor. Em troca, receberam a promessa de serem libertados.

O discurso heroico da Revolução Farroupilha não condiz com a realidade e as verdadeiras motivações da guerra. Precisamos sempre lembrar que a revolta ocorreu por interesses econômicos. Tinha-se uma elite gaúcha insatisfeita com o aumento de impostos cobrados sobre os produtos. Diferentemente dos outros soldados recrutados para essa guerra civil, os Lanceiros Negros não entraram em batalhas pelos ideais farroupilha, mas pelo anseio de liberdade. Ao serem colocados numa emboscada cruel e vergonhosa, estes soldados negros pagaram com a morte a coragem de acreditar nas promessas farroupilhas.

Nesse sentido, rever o passado de forma honesta e crítica, reconhecendo as violências e o apagamento das identidades negras, significa avançar nas pautas antirracistas no Estado do Rio Grande do Sul. Por isso, é importante olharmos para tais eventos sem condescendência. Assumir a dívida histórica que este Estado tem com a população negra. A matéria da National, com textos meus e do jornalista Juremir Machado, traz também o registro fotográfico de personalidades negras gaúchas da atualidade, como o intelectual Jorge Euzébio Assumpção, a medalhista Daiane do Santos, o técnico do Grêmio Roger Machado, a cantora Valéria Barcellos, entre outros.

Trazer essas figuras negras ilustres da atualidade nos leva para um espaço simbólico importante, justamente porque a ancestralidade nos coloca num outro tempo. Nos leva para uma outra experiência e para uma outra dimensão: a dimensão do sagrado. Não no sentido religioso, mas num sentido existencial. Quando homens e mulheres negras alcançam postos de destaque numa sociedade desigual e racista, isso significa dizer que sempre chegamos acompanhados dos que lutaram antes. Daqueles que abriram os caminhos e nos trouxeram até aqui. A ancestralidade somos nós: passado e presente. Axé.

JEFERSON TENÓRIO

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