sábado, 16 de dezembro de 2017


16 DE DEZEMBRO DE 2017
LYA LUFT

Três poemas


Quando me mataram,


meu lado não verteu água nem sangue:

eu me verti de mim por essa fenda,

escorri para a terra, debaixo das lajes,

me fingindo ausente.

(Quem me ama sabe que estou ali,

e com paciência me aguarda;

isso é uma luz na noite.)

Quando chegar o tempo de retorno,

eu volto.

Subirei devagar,

empurrando a alma com meu sangue

por labirintos e paradoxos,

descrença e esperança,

até inundar novamente o coração.

(Não será o coração de antigamente.)

Quando eu era menina,

minha mãe tocava piano

e a árvore de Natal girava

em sua pinha de ferro batido.

Eu cochilava no colo de meu pai:

dentro do peito dele pulsava

a máquina da vida que nunca se cala.

(Mas uma coisa escura e sorrateira

fazia rumor fora da casa:

era o destino chegando

passo a passo, e eu não sabia.)

Junto ao coração de meu pai,

ao ritmo da música do sangue,

meu coração também estremecia:

a faca cortando a minha alma

era pressentir que as águas do mundo

inundariam o tempo e o espaço,

e haveria perdas no caminho.

(Seríamos um dia pálidos rostos

em retratos, e rastros de perfumes numa mala.)

Dorme filho meu,

que eu te contemplo.

Sobre tua cabeça de sonho e névoa

a moldura da janela se abre

para uma vida só tua

que não conhecerei inteiramente.

Dorme fragilidade entregue,

seda de cílios sobre esse olhar azul,

espelho onde me renovo a cada hora.

Ser do meu ser, pétala a pétala tramado,

mãos tecidas da minha carne obscura, riso

da minha alegria, olhos

da minha infância, sombra

dos meus passos na tua sombra pelo chão.

Dorme filho meu, que eu te protegerei

enquanto couberes nos meus braços

- mas vou chorar por mim quando te afastares

para conquistar o teu futuro.

Nada sei de ti além do peso

do teu abandono no meu colo,

nada além do som do teu nome

que escolhemos,

e do teu destino impalpável.

Dorme, filho meu. Um dia serás um homem

com pedaços de vida de que não farei parte;

mas serás sempre, em qualquer dia e hora,

esse, de olhos azuis, o meu menino. (1966)

LYA LUFT