sexta-feira, 15 de dezembro de 2017


Jaime Cimenti
Falta de assunto 

O grande cronista e jornalista Rubem Braga, o Sabiá da Crônica, o pai de todos que, com seu talento, levou a crônica a ser considerada gênero literário, escrevia e opinava sobre fatos importantes do cotidiano. 

Muitos ainda dizem que suas melhores crônicas são as que ele escrevia quando não tinha assunto, ou, às vezes, escritas justamente sobre a falta de assunto. Os cronistas de hoje têm milhões de assuntos para tratar e têm a web e as redes sociais para buscar material para preencher, no prazo sem prorrogação dos periódicos, seu espaço de cronista, biógrafo do cotidiano, especialista em generalidades, palpiteiro de plantão e articulista de opinião. 

Sim, todo mundo sabe que a crônica, hoje, quase sempre, é um pequeno artigo de opinião. Opinião é o que não falta, sobre tudo, todos, a toda hora do dia ou da noite. Podem faltar fundamentos, razão, emoção ou articulação, mas opinião é o que não falta, neste País de 140 milhões de técnicos de futebol, primeiros-ministros, especialistas em política, segurança, educação e tudo mais. 

Estamos parecendo a Torre de Babel, a Itália ou Israel, por exemplo, com muitos falando ao mesmo tempo, em voz alta, sobre tudo quanto é tópico ou utópico. Os cronistas atuais, por vezes, não têm tempo ou vontade de andar nas ruas para ver, sentir o paladar, cheirar, ouvir e tocar a realidade, as coisas e as pessoas. Seria bom que os cronistas e jornalistas voltassem a usar seus cinco sentidos, mais as percepções extrassensoriais e outras percepções a serem descobertas. 

Como todo mundo, os cronistas andam com medo de assaltos e outros crimes, e se refugiam no celular e nos tablets. Assaltos, crimes, corrupção, aliás, são temas infelizmente inesgotáveis para os comunicadores e formadores de opinião, mas deles, hoje, quero distância. De crises política, econômica, ética, de valores e dos 40% dos brasileiros que estão negativados, hoje, quero distância. Distância também quero da dívida do estado gaúcho, que aumentou 27 vezes em 27 anos. De futebol não quero falar, pois perdi o interesse sobre o "esporte bretão". 

Quero ficar um pouco em silêncio, sentindo a tarde pelo contato com o sol na pele, fitando o lindo céu de brigadeiro, feito só de azul, sem aviões com bombas, rolos de fumaça de incêndio de árvores, prédios ou pneus queimados por manifestantes protestando contra umas coisas que andam infernizando os dias dos viventes. Hoje, fumaça no céu quero só a de algum churrasco que estejam fazendo por aí e para o qual me ofereço para ser convidado, mesmo que eu tenha que levar alguma carne para o "encosta-carne" ou algum trago para a gente beber e soltar a língua. Soltar a língua para falar coisas boas, claro. 

Quero permanecer, ao menos por alguns minutos, sem assunto e sem precisar falar sobre a antiga falta de assunto. Quero escrever sobre esses minutos de paz, alegria e harmonia que divido com meus oito leitores, justamente neste período de festas, tempo de sentimentos divididos, mas também de divisão de afeto e presentes. 

a propósito... 

Comece falando do Rubem Braga, pai de todos da crônica brasileira, e estava querendo escrever uma crônica sem assunto ou falando da falta de assunto, tipo homenagem ao mestre Sabiá da Crônica. Aí enfiei uns assuntos, dei umas opiniões e, mais para o fim, viram, falei da vontade de não falar nada. É isso, queridos leitores, uma crônica, ou "pequeno artigo de opinião" sem assunto, sobre falta de assunto, com assunto e alguma coisa mais. 

Disse a Gloria Steinem: não gosto de escrever, gosto de já ter escrito. O Fernando Sabino afirmou que o melhor de já ter escrito é que aí dá para ir tomar um uisquinho. Fico por aqui, meu espaço e assuntos de hoje terminaram, e o Cristiano Vieira está esperando eu "baixar" essas linhas. Fui! 

(Jaime Cimenti) - Jornal do Comércio - http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/12/colunas/livros/601329-voce-faz-falta.html)