sexta-feira, 8 de dezembro de 2017



Enredados 

Pois estamos literalmente enredados. Não só em enredos de contos, romances, novelas, peças de teatro, filmes e conversas de rua, praça, casa, bar ou botequim. Estamos literalmente enredados nas redes sociais. Metade da população do mundo está nas malhas digitais. No Brasil ainda não temos metade das pessoas na web, mas estamos chegando lá. 

Quem não está nas redes está mais por fora que umbigo de vedete, joelho de escoteiro ou pato fora da água. McLuhan, canadense, primeiro grande filósofo da era das comunicações, cunhou o termo "aldeia global" e usou a televisão como paradigma das profundas alterações que a tecnologia trazia para a cultura, a economia, a política e muita coisa mais, com planeta transformado em aldeia. 

O telefone celular e a internet acabaram por concretizar mais profundamente o conceito. A aldeia global era eletrônica, hoje está mais para digital. Há quem exagere e diga: quem não está conectado nas redes sociais não existe. Caiu na rede é peixe, não caiu é nada, peixe fora da água se debatendo. 

Há quem pregue volta à vida real, ao convívio "presencial" e físico e pede para as pessoas largarem, ao menos uns minutos por dia, os celulares e tablets. Uns dizem que estamos conectados, mas sozinhos, no meio de milhões. Umberto Eco relatou: "há muitos imbecis nas redes, palpitando toda hora sobre tudo o quanto é assunto, muitas vezes sem a menor competência". É vero! O excesso de sons, imagens, palavras, opiniões, velocidade, entendimentos e desentendimentos, afagos e tapas na web nos deixa estonteados, estressados, deprimidos e carentes de likes. 

É preciso ficar atento e não virar um videota completo. É preciso deixar o silêncio e a solidão fazerem a sua parte. Ouvir o silêncio, respirar lento e meditar uns 20 minutos por dia é receita milenar que nos humaniza, nesses tempos em que só falta o defunto ter um celu para conectar o além. Todo mundo fala tudo, toda hora, dá receita de bolo, de seleção, de país, de governo, de como fazer qualquer coisa a qualquer hora, e até receita de como não ficar 12 horas por dia ligado nas redes, para não pirar de vez. 

E dê-lhe fake news, mentiras que parecem verdades de tão bem apresentadas ou repetidas e fotos com simpáticos e enganadores "photoshops". Fotos de ovo frito, de bebê com dois segundos de vida, de sapatos masculinos vermelhos ou amarelos de verniz, cachorro-quente pink, filmes com a pessoa morrendo, com o rosto demolido pelo explosivo acidente com celular, de tiroteio ao vivo no Rio de Janeiro com minutos de duração, ou de pacientes tomando soro "tinto ou branco" no leito do hospital, tudo pode, vale-tudo, pós-moderno e pós-tudo na internet. 

Estamos definitivamente enredados, embolados uns nos outros, nadando a favor ou contra os ventos e as marés, abraçados e desabraçados. Queremos milhões de amigos, de likes e de comentários favoráveis ou contra. Conecte bem ou mal, mas conecte-me. Indiferença, bloqueio e neutralidade não.

a propósito... 

Livros de etiqueta, delicadeza e boa educação estão meio fora de moda. Velozes demais nas redes, opiniáticos em excesso e sem excesso de paciência - na web, muitas vezes respondemos depressa demais, erramos e patrolamos os semelhantes. 

Claro que comunicamos muita coisa boa na internet, e tomara que assim seja. É preciso dosar bem o quê, como e quando comunicamos. O que vai para a web não se apaga, bom lembrar. Tomara que não se apague o "lado humano" do bem, o meio de comunicação como meio de obter pessoas e países melhores, nesta aldeiazinha global que parece uma Torre de Babel muito louca, uma torre mais parecida com quadro surrealista do que com teorema matemático. 

 Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/12/colunas/livros/599967-o-coracao-e-a-vida.html)