segunda-feira, 13 de novembro de 2023



13 DE NOVEMBRO DE 2023
CARPINEJAR

Perdemos para a Argentina

É revoltante, é um ataque à nossa tradição, é uma roubalheira gastronômica. O churrasco gaúcho ficou em sexto lugar na lista da TasteAtlas deste ano, uma enciclopédia virtual que faz um ranking de pratos e alimentos de todo o mundo.

Não vejo problema em perdermos para as tiras de carne japonesa, temperadas com shoyu na grelha. Ou para o xixo russo, chamado de shashlik, um prato típico do Cáucaso e da cultura eslava -, que, nada mais, nada menos, é um espetinho de carne com vegetais.

Mas não admito estarmos atrás do asado argentino. A desvantagem com a cozinha de fogo do outro lado do planeta não dói, mas com a do nosso vizinho na América do Sul nos queima de raiva e injustiça.

Pelo jeito, os jurados nunca foram na Giovanaz, restaurante na Venâncio Aires, em Porto Alegre. Aquilo que é churrasco de verdade, sem sal do Himalaia, sem pimenta, sem condimentos de butique, com a carne pingando apenas pela magia xiru do sal grosso.

Não encontrará fotos dos tipos de carne oferecidos no cardápio, pois não há cardápio. Churrasco é na mesa, para descobrir na hora, no assalto do espeto pelas suas costas. Você pisa no chão engordurado e já sente que adentrou num santuário das brasas, do vermelho malpassado.

Chão limpo não combina com o vaivém dos garçons e suas facas afiadas.

Cuidado para não deslizar. Ande com calma, passo a passo no seu apetite. Como se fosse rezar na igreja. Se escorregar, culpe o tênis ou o sapato, jamais a limpeza do local. Giovanaz é o nosso cartão de visita: quadros de natureza- morta na parede, biombo de madeira no pórtico do banheiro, toalha de mesa de papel, pote branco de farinha, salada de maionese caseira e pratinhos menores que servem de cemitério das sobras.

É uma churrascaria de estrada no centro da Capital. Para não demorar a voltar para casa, deitar-se no sofá e bodear a digestão. Você come até passar mal. Até dizer "basta". Até confessar seus pecados. Até abrir o cinto discretamente. Quem gosta de picanha é turista, ou criança, ou gaúcho de apartamento. Carne para gaúcho raiz é costela.

Vai esperar sentado a chegada da picanha. Nunca chegará. É um espaço para quem tem dentes. É um recanto que ignora a afetação, para desistir dos talheres e roer o osso da costela, para arrancar o seu suculento courinho, que só se entrega depois de muita resistência. O courinho é a prova da qualidade da iguaria, nem ele quer se desgrudar da costela.

Tampouco é um estabelecimento que aceita cartão de crédito. Paga-se a refeição farta com dinheiro ou Pix. Não existe conversa. Não existe desculpa. Não venha com sua tarja Infinite. Infinita é a simplicidade, a sabedoria familiar de não fazer firulas.

Os jurados da TasteAtlas buscam mordomias e erram suas pesquisas. Aqui não é Messi, mas o dentuço Ronaldinho Gaúcho. É a arte do drible, a finta gulosa pelo campo aberto em nossa vida urbana.

CARPINEJAR

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