sábado, 11 de novembro de 2023


11 DE NOVEMBRO DE 2023
LEANDRO KARNAL

Levou seu filho ao pediatra e, no meio dos debates médicos, ouviu do profissional uma piada racista? Mesmo que você e seu rebento sejam loiros, de ascendência sueca, quase albinos, recomendo muita atenção. O problema é mais grave do que possa parecer.

Em primeiro lugar, racismo é crime. Você está lidando com um profissional (e pode ser um arquiteto, encanador, pintor, eletricista etc.) que não vê obstáculo em delinquir. Pela experiência, não existe uma pessoa que deslize apenas em um ponto, sendo exemplar em tudo o mais. Qual seria o outro delito? É perigoso chamar alguém que esgarça a lei. Qual seria o limite dele ou dela?

Em segundo lugar, como não existe nenhuma base racional para falar sobre inferioridade de alguém, diante de melanina, o profissional em questão está tomando por verdadeira uma crença completamente falsa. Também sabemos que uma ideia equivocada raramente é a única no cérebro de alguém. 

Ninguém é inteligente em todos os temas (claro!), mas, da mesma forma, ninguém é completamente burro em apenas um ponto. Se ele defende um ponto não científico, há riscos de uma mente não rigorosa. Se ele faz piada sobre um assunto ilegal e falso, existe orgulho da ignorância e do crime. Isso é ainda mais grave. Racismo é crime e estupidez. Demonstra afronta à lei e indica um grave limite mental.

Alguém pode dizer: "Mas ele é de outra geração... Isso é costume. Ele não é racista de verdade, apenas brinca de forma politicamente incorreta". Substitua a palavra racismo por outro crime, como a prática de pedofilia (ou brincadeiras sobre o tema), para você ver como ficará um pouco mais complexo "passar pano" ou relativizar. 

Você conseguiria levar seu filho a um profissional pedófilo, alegando que é apenas uma expressão de um outro tempo? Como eu imagino que a resposta seja negativa, é importante pensar que a lei brasileira trata de forma mais dura o racismo do que a pedofilia. Que eu saiba (não sou jurista) racismo é imprescritível e inafiançável; pedofilia, não.

Pense, em especial, quando se trata de educação de crianças: temos de pensar no exemplo ético e de formação de caráter. Não se deve expor um ser a uma cultura de preconceito. O chamado "currículo oculto" é mais forte nas escolas e na vida do que o saber estruturado formalmente. Você se esqueceu de alguns teoremas matemáticos, porém nunca apagará da memória a atitude da professora da área. Aprendemos um pouco de forma direta, mas muito mais de forma indireta. Piadas traduzem uma visão de mundo muito estruturante.

O mundo está cada vez mais diverso e voltado a ações de diversidade. O mercado não tolera ofensas abertas que depreciam o nome da empresa e da marca. Publicações de ódio, nas mídias sociais, podem barrar contratação pelo RH. Piadas afastam investidores. Se isso já é tendência forte hoje, imagine daqui a 20 ou 30 anos. Ser preconceituoso tornará seu filho um mau profissional no futuro, com dificuldades na socialização. Ele terá problemas com a lei e será incapaz de lidar com o mundo real.

De novo, alguém virá argumentar: "Mas isso é mimimi!". Eu recomendo o paralelo: brincar sobre estupro de uma menina de cinco anos e fazer piada sobre isso seria... mimimi?

Que maravilha para uma criança se, diante de uma frase infeliz ou de um ato preconceituoso, a mãe corrigisse (de forma direta e clara) o médico, marcando na memória da pessoa em formação que aquilo é inadmissível. Seria uma lição bonita e permanente. Se o profissional retrocedesse na afirmação e confessasse o erro, um passo seria dado. Se insistisse e manifestasse orgulho diante do crime e da ignorância, caberia ao responsável retirar-se do consultório, no mínimo. Um passo ainda maior seria concretizado. 

Com toda a calma, o pai ou a mãe iriam explicando, no caminho de volta, que os adultos erram, que aquilo dito na consulta médica foi um equívoco, porque as pessoas são iguais em dignidade e diante da lei, apesar de diferentes em aparência. Isso se chama educar. Um ato, por vezes doloroso, mas estratégico para indicar bons caminhos.

Depois de uma experiência assim, caberia reforçar com palavras e ações o valor da diversidade. Seu filho evoluiria como pessoa e estaria mais próximo de um mundo melhor. Preparar para o futuro inclui de vacinas a ética, de alimentos a valores. Se você ensina a não roubar e a não matar, seria imprescindível indicar também que não se admite racismo.

Volto ao médico do começo da crônica. Ele emitiu uma piada racista? Pior, se você riu junto, por ser branca e não ver problema naquilo? Bem, entendendo ou não, seu filho aprendeu que atacar a dignidade de outra pessoa pode causar humor; que é legal ser canalha; que a mãe amada e o médico respeitado por ele devem estar certos. São adultos e, se riem de um crime, é porque podemos todos rir. 

Assim, mesmo não tendo ainda lido Minha Luta, de Adolf Hitler, seu pequeno filho já captou o essencial da mensagem da obra. Tenho esperança em um mundo no qual o crime não tenha graça e que todos fujam de profissionais racistas e incompetentes.

LEANDRO KARNAL

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