segunda-feira, 13 de novembro de 2023


13 DE NOVEMBRO DE 2023
CLÁUDIA LAITANO

Avante, para trás

Foi como ver uma carroça e um carro autônomo cruzando um pelo outro na esquina imaginária dos tempos. Sobre duas rodas e quatro patas, uma praga mais antiga que a dos gafanhotos, a censura, voltou a dar as caras no Brasil. No mesmo dia, um problema novinho em folha desfilava na avenida: o embate entre a criação humana e a inteligência artificial.

Na manhã de quinta, veio a notícia de que a Secretaria de Educação de Santa Catarina, do governador bolsonarista Jorginho Mello, determinou o recolhimento de nove livros das bibliotecas estaduais. À tarde, com a divulgação dos finalistas do Jabuti, ficamos sabendo que um livro ilustrado com ferramentas de inteligência artificial havia sido indicado ao prêmio na categoria Ilustração. 

A nova edição de Frankenstein chegou a ser anunciada, com orgulho, como "o primeiro livro da história do universo" todo ilustrado por IA, mas os jurados não sabiam ou não se importaram. Na sexta-feira, constrangida com o episódio, a Câmara Brasileira do Livro decidiu retirar da competição o romance que conta a história de um monstro criado em laboratório - e que livro se prestaria melhor a esse tipo de polêmica?

Enquanto alguns quebravam a cabeça tentando prever como a IA vai afetar artistas e o setor da economia criativa em geral, Santa Catarina acendia fogueiras e caçava bruxas. O comunicado da Secretaria de Educação não dá qualquer explicação a respeito dos critérios que guiaram a seleção dos nove livros banidos. Boa sorte para quem conseguir encontrar algum nexo entre Laranja Mecânica, A Química entre Nós e It: a Coisa. Os títulos foram enviados para local "não acessível à comunidade escolar".

Não é a primeira vez na história do universo que a aplicação da estupidez artificial é testada na área de educação. Estupidez não apenas pelo gesto obtuso e autoritário, mas porque todo mundo sabe que adolescentes lêem o que querem, na hora em que querem, quando ninguém está olhando. Artificial porque a ideia de demonizar livros evidentemente não nasceu no país que tem um dos índices de leitura mais baixos do planeta. 

Ao criar listas de autores malditos, o bolsonarismo apenas macaqueia uma estratégia que a extrema direita americana vem usando para atiçar sua base: a exploração da paranoia de pais que, sem saber como se comunicar com os filhos, alimentam a ilusão de que vão conseguir controlar o que eles lêem, o que pensam e como se comportam.

CLÁUDIA LAITANO

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