sábado, 18 de novembro de 2023



18 DE NOVEMBRO DE 2023
FRANCISCO MARSHALL

ANTISSEMITISMO?

O antissemitismo é um ramo da síndrome de preconceitos mais ampla que cabe chamar de racismo. Trata-se de atitude nociva profundamente enraizada em tradições que vêm do mundo antigo e que se agravam no curso dos séculos. Por sua complexidade e por seu vigor histórico, esse cacoete não pode ser tratado com simplicidade ou desdém. Na crise atual, entre Israel e Palestina, há novo capítulo dessa trama, gerando situações muito difíceis para os povos afetados pelo conflito e para os que se atrevem a falar dele em público. Esse risco não pode nos impedir de examinar situação tão desafiadora. Comecemos com a questão ética essencial: você gostaria de ser agente ou vítima de racismo?

Os gregos se ufanavam de sua superioridade cultural, credencial usada para capturar e escravizar o povo da Trácia, que consideravam bárbaro. Em uma sociedade narcisista, violenta, escravocrata e imperialista, a visão preconceituosa transformou-se em princípio fundamental do racismo, tratando depreciativamente estrangeiros com base em estereótipos ditados por características de seu habitat, como se as tradições e as condições geográficas produzissem efeitos mentais e morais nas etnias, descartando-se suas virtudes e as individualidades e variações que há em qualquer povo. No cenário racista, ocorrem também comparações dos outros povos com animais, em sentido depreciativo; o outro é descrito como não humano, pressuposto que favorece conquista, escravização e até extermínio.

Esses preconceitos aplicam-se também a imigrantes, gerando em âmbito doméstico tensão de origem étnica e racista, com o temor de contágio por outros povos, e aparecem, como consequência, práticas de segregação dentro de cidades, nações e culturas. O estrangeiro pode ser associado a crises sanitárias e econômicas, crimes e outras moléstias, preconceito que atinge também a minorias não estrangeiras, mas com identidades e comportamentos divergentes, reféns de relações de poder malignas.

Todos esses preconceitos protorracistas e racistas desenvolveram-se entre gregos e romanos, como estuda Benjamin Isaac no livro A Invenção do Racismo na Antiguidade Clássica (2004). No caso romano, povos germânicos foram alvo frequente, como também muitos povos orientais, entre os quais os hebreus, com que Roma teve conflitos políticos e religiosos. Na aurora do cristianismo, os quatro evangelistas, João, Lucas, Marcos e Mateus, formularam, com oportunismo político, a lenda da culpa dos judeus na morte de Jesus Cristo. Dessa invenção proveio a acusação que atormentou judeus por muitos séculos: "Vocês mataram Jesus!", fonte de ataques covardes e perseguições hediondas que culminaram no Holocausto da Segunda Guerra Mundial.

Não convém se aviltar esta grave herança de racismos e sofrimentos para se hipotecar cego apoio ao governo de um país, Israel, menos ainda para promover quaisquer preconceitos, nem cabe confundir os erros daquele governo ou de qualquer liderança com o profundo respeito que merecem os que herdam as memórias e identidades semitas, e as celebram em suas vidas, querendo dizer shalom ou salaam a cada dia.

FRANCISCO MARSHALL

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