segunda-feira, 27 de novembro de 2023


27 de Novembro de 2023
FABIO PRIKLADNICKI

Certezas colocadas em xeque

Quando os Prédios Começaram a Cair?, segundo romance de Mauro Paz, cria um cenário catastrófico para abordar questões existenciais

Criado na rural Belém Novo dos anos 1990, Mauro Paz se constituiu como escritor em São Paulo, onde lançou seus três livros. Talvez venha dessa mudança brusca de ambiente o olhar crítico a um capitalismo desenfreado, que leva as pessoas a uma vida apressada, no limite da exaustão, da qual a maior cidade da América Latina é um dos maiores símbolos.

Em seu segundo romance, Quando os Prédios Começaram a Cair, recém-lançado pela editora Todavia, ele cria um cenário catastrófico para tratar de questões existenciais. O personagem principal, um homem na casa dos 40 anos que vive sozinho na região central de São Paulo e ganha a vida levando cachorros para passear, começa a sair de um estado de inércia emocional ao conhecer uma jovem mulher com quem tem encontros semanais.

É justamente no momento em que ela some misteriosamente que prédios do mundo inteiro começam a vir abaixo. Símbolos do progresso, os edifícios, ao virarem ruínas, também implodem algumas certezas do personagem. A arte da capa é de Laerte Coutinho.

- Quando Os Prédios Começaram a Cair é a história de um cara de classe média que vê o mundo desmoronar. E também fala do desmoronamento da masculinidade e desse mundo patriarcal que, infelizmente, não está desmoronando na velocidade que deveria. Mas, ao menos, está sendo colocado em xeque. É um livro que fala da queda de certezas. Quais são as certezas reais que a gente tem hoje? - questiona.

Com mestrado em Letras e do grupo de escritores que passaram pela oficina literária de Luiz Antonio de Assis Brasil, Paz mudou- se para São Paulo em 2009. Fugiu de um estilo mais convencional de escrita inspirando-se em J.D. Salinger, Rubem Fonseca e quem começava a despontar em Porto Alegre no início dos anos 2000, como Daniel Galera.

Seu primeiro livro é de 2012, chamado Por Razões Desconhecidas (IEL-RS), finalista do Prêmio Sesc, que reúne vários contos sobre pessoas que desaparecem. O primeiro romance, Entre Lembrar e Esquecer (Editora Patuá, 2017), finalista do Prêmio São Paulo, parte do trágico caso de Eduardo Fösch, jovem negro morto durante uma festa em um condomínio de luxo na zona sul de Porto Alegre, para tratar do sentido da vida.

São histórias distintas, mas erguidas em cima da brutal realidade de que existências podem chegar ao fim ao dobrar de uma esquina. Enquanto isso, uma forma de estar no mundo determinada por forças externas reduz as chances de desfrutar da vida com alguma qualidade, constatação que sempre traz um gosto de desespero.

- Boas histórias surgem a partir de bons adversários ou bons obstáculos. Para mim, o obstáculo contra o qual eu escrevo é claro: a lógica capitalista de trabalhar sem fim e de um jeito que atropela todo mundo, que faz com que as pessoas se esgotem.

Vida

Seu olhar desesperançoso é para o sistema, não para a vida. Trabalhando também como roteirista e redator publicitário, foi um dos responsáveis por desenvolver projetos de comunicação de grandes instituições culturais que precisavam retomar o contato com o público, como o Museu do Ipiranga, fechado para restauração durante nove anos, e a Cinemateca Brasileira, que sofreu um incêndio. Na TV, foi um dos roteiristas das duas primeiras temporadas da série Deu Positivo, que conta a história de pessoas com HIV, disponível no Globoplay.

Em ambas as frentes, comprometeu-se em imaginar novos caminhos, algo que também procura fazer na literatura.

- A literatura nos traz possibilidades de pensar além daquilo com o que nos preocupamos todos os dias. A capacidade de um chumaço de papel com um monte de letras acumuladas criar outras vidas, outros universos, e entender que não estamos presos ao que estamos condicionados... É muito bom. E serve para nos questionarmos sobre a vida. Estamos em um circuito que parece fechado, mas será mesmo? Não podemos pensar outras possibilidades? Eu acho que sim.

KARINE DALLA VALLE

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