
19 de Maio de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo
Respostas capitais - Lívio Ribeiro
"EUA não esperavam que a China não baixasse a cabeça"
Um detalhe do acordo do dia 12 entre China e Estados Unidos deu esperanças a Lívio Ribeiro. A negociação ter comando de Scott Bessent, secretário do Tesouro, é bom sinal por ter à mesa "gente que sabe fazer conta". Diz que o raciocínio por trás dos anúncios de Donald Trump parte de erros e concepções antigas. Se Bessent prevalecer, espera que o sistema que sustenta o mundo hoje não seja substituído pelo "acordo de Mar-a-Lago".
Sócio da BRCG Consultoria e pesquisador associado do FGV Ibre, foi chefe de estudos econômicos da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro e atuou com foco em comércio exterior em instituições financeiras internacionais
Como interpreta o acordo entre EUA e China?
Chegou a um ponto em que o comércio entre os dois países, em termos práticos, estava sob embargo. A escalada entre os dias 2 e 10 de abril saiu de controle. Os EUA não esperavam que a China não baixasse a cabeça. Houve erro de avaliação dos EUA ao superestimar a sua capacidade de gerar dor econômica na China e subestimar o ajuste chinês que já ocorria desde 2024 para lidar com cenário mais adverso, interno e externo. O plot twist (reviravolta) da guerra comercial foi a China retaliar. A administração americana claramente não tinha na cabeça, a imensa maioria dos analistas também não, mas nós tínhamos. Sempre falamos que a China ia demonstrar força, além do que se imaginava, porque estava se preparando para o contencioso desde o final de 2024.
Quais eram os sinais?
A China adotou políticas fiscais, parafiscais, creditícias e monetárias, desde ao menos agosto de 2024, com anúncios relevantes entre setembro e outubro. Depois da eleição nos EUA, houve mais medidas. As barricadas já estavam sendo elevadas.
Nem Trump detectou?
Não. Os EUA não estavam preparados para a China não baixar a cabeça. E aí era interessante sentar à mesa tão rápido quanto possível. As negociações começaram na reunião do FMI (em abril), capitaneadas pelo (Scott) Bessent, secretário do Tesouro.
É o adulto na sala?
Exatamente, os mais radicais não participaram. (Stephen) Miran (chefe do conselho de assessores econômicos), (Howard) Lutnick (secretário de Comércio), e (Peter) Navarro (também conselheiro econômico, considerado o mentor do tarifaço) foram alijados, o que é muito bom, porque agora tem gente que faz conta, não tem maluco. Temos 90 dias para entender qual vai ser o novo equilíbrio. Bessent deu uma letra ao dizer que o Acordo Fase 1, de 2020, é um ponto de partida.
O que previa?
Levou cerca de sete meses para ser desenhado entre a primeira administração Trump e o governo chinês. Foi assinado em 31 de janeiro de 2020, 45 dias antes do lockdown (restrições da pandemia de covid-19). Obviamente, ficou pelo caminho. Previa aumento das compras chinesas de produtos e serviços americanos, com metas específicas para manufaturas, commodities, energia e serviços. Algumas eram inexequíveis. Em petróleo e gás, a China tinha de comprar cerca de 80% de tudo que os EUA vendiam ao mundo, o que não era razoável, teria de abandonar outros mercados.
Não é arriscado que a base seja inexequível?
Havia coisas fora da casinha, mas há espaço para avançar em manufaturas e commodities. O acordo deve reduzir o déficit americano. Detalhe sórdido: a China aprendeu a triangular comércio. Vai mandar via Vietnã e México. Antes, ganhava produzindo e exportando. Mas vem adotando o padrão dos desenvolvidos. Pode mandar o produto semiacabado para outro país que tenha vantagem tributária, coloca um selo e manda para o destino inicial.
Como os EUA no Vietnã?
Exato. O debate é ingênuo, parece da década de 1960. A proposta é reindustrializar o país, porque se não tiver emprego industrial, não tem produtividade, não tem classe média pujante e o país está fadado à miséria. Primeiro, é difícil de argumentar que os EUA ficaram mais pobres quando trocaram o Rust Belt (Cinturão da Ferrugem) pelo Vale do Silício. Foi o oposto.
Trump é ingênuo?
Não, mas tem cabeça velha. No primeiro mandato, tinha o establishment republicano. Agora, está cercado por pessoas também com cabeça muito antiga.
O objetivo é substituir o acordo de Bretton Woods pelo de Mar-a-Lago?
A ideia do Miran é que ter déficit comercial é ruim e resulta em dólar forte demais. Para enfraquecer, força os parceiros a darem um dólar mais fraco, mantendo a prerrogativa de moeda de reserva, o que é esquisito, porque seria uma reserva que perde valor. Envolveria renegociação da dívida, dos Treasuries na mão de estrangeiros. E os EUA mudam seu papel de polícia do mundo, tarifam para extrair vantagem, o que acontece, ainda que de forma escalafobética.
Tem como dar certo?
Tem um erro de premissa. A culpa não é do dólar, é do excesso de demanda agregada. É uma economia que gasta muito mais do que consegue produzir. A solução certa seria aumentar a poupança. As pessoas têm de consumir menos, o que parece difícil, ou o governo consome menos, com ajuste fiscal. Houve uma tentativa de ajuste via Doge (Departamento de Eficiência Governamental, comandado por Elon Musk), cujo resultado é uma catástrofe. O fato de Bessent ter assumido a frente diminui o risco de ter decisões muito equivocadas, mas não exclui. Temos um cenário infinitamente mais nublado.
É realista esperar que o Brasil ganhe com o tarifaço?
Não, o efeito macro da bagunça é ruim para todo o mundo. Nossos problemas de competitividade externa não são resolvidos por diferencial de 10 ou 15 pontos na tarifa para os EUA. A indústria perde participação por ser pouco produtiva, ter problema tributário, carência de logística e infraestrutura inadequada. São problemas estruturais. No micro, culturas do agronegócio podem ganhar, além de segmentos já hipercompetitivos de alimentos, aviação e partes e peças, como Weg e Randon. Mas é inequívoco que o país não ganha.
O que esperar em 90 dias?
O limite não deve ser levado a ferro e fogo. É um jogo de estratégia. A China vai tentar acordos com todos os países com os quais consegue ajustar seu comércio aos EUA, com tônica na triangulação. Não é à toa que o Xi Jinping (presidente da China) fez uma rodada de viagens na Ásia e recebeu há dias o presidente Lula. Está cercando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário