sábado, 17 de maio de 2025



17 de Maio de 2025
COM A PALAVRA

Lee Peterson - Especialista norte-americano em varejo

"Lojas físicas devem apostar na autenticidade"

O norte-americano Lee Peterson atua há cerca de 40 anos como empresário e consultor de grandes empresas no mercado do varejo, sendo reconhecido como um dos maiores especialistas internacionais neste tema. Peterson virá pela primeira vez a Porto Alegre, onde será, no próximo dia 22, um dos principais palestrantes da Feira Brasileira do Varejo, que ocorre entre os dias 21 e 23 no centro de eventos da Fiergs. Em entrevista a Zero Hora, o norte-americano comentou alguns dos principais temas que permeiam o mercado global do varejo, como a crescente utilização da inteligência artificial e a competição com o comércio eletrônico.

Mathias Boni

Você atua no mercado do varejo há 40 anos. O que acredita que mais mudou nesse período, e o que ainda continua similar, como essência do negócio?

Em termos da maior diferença, a mais significativa é o domínio das compras online. Especialmente ao longo dos últimos 15 anos, essa prática cresceu muito e isso realmente mudou tudo. Acabamos de fazer um estudo, chamado Varejo 3.0. No histórico, descrevemos o varejo 1.0 como a prática predominou por muitos anos. As pessoas faziam compras em lojas locais, e quando se abria uma loja de departamento, era um grande acontecimento. Durante a fase do varejo 2.0, fomos bombardeados pelo estabelecimento de grandes lojas e shoppings, concentrando em um mesmo local um elevado número de negócios. Abriram-se milhares de shoppings em um período bem curto de tempo, por todos os lugares. 

Mas agora, tudo isso está mudando, e estamos neste período chamado varejo 3.0, com maior inclusão da tecnologia nesse processo, que inclui as compras online. E o que permanece com o mesmo propósito nas últimas décadas como um objetivo dos varejistas, pelo menos para os mais cuidadosos, é a preocupação em proporcionar uma boa jornada de compra ao cliente. Seja nas lojas físicas, com um atendimento atencioso, ou mesmo no digital, com os recursos disponíveis atualmente, o que permanece como essência do negócio para muitos varejistas é proporcionar aos consumidores uma jornada de compra que os satisfaça.

? Nos últimos anos, observamos um grande aumento das compras online, inclusive de produtos estrangeiros, ou de grandes companhias, como a Amazon. Como lojas mais tradicionais e que têm unidades físicas podem tentar enfrentar esse movimento?

Esta é uma reflexão que começou há umas duas décadas. Para quem aposta somente em pontos físicos hoje em dia, é uma situação muito difícil. No mundo inteiro o fluxo desse tipo de comércio diminuiu, e segue diminuindo. De forma geral, os varejistas demoraram a entender e a reagir à invasão de produtos estrangeiros e ao crescimento vertiginoso das compras online - a pandemia obrigou muitos a digitalizar suas operações, um pouco à força. 

Acontece que, mesmo assim, as empresas menores têm catálogos muito mais limitados em comparação às grandes companhias, e muitas vezes o preço das grandes companhias também se mantém mais competitivo, então é realmente difícil fazer frente. É uma tendência de consumo que chegou e se estabeleceu. Minha dica para os varejistas que vendem em lojas físicas e que querem enfrentar esse movimento é tentar se diferenciar pela qualidade dos produtos e do atendimento, e apostar na autenticidade e na exclusividade para gerar um interesse maior no público. 

Você não vai conseguir competir em opções e capacidade de entrega com uma gigante como a Amazon, então você precisa apostar em outros atributos que possam ser fatores de atração.

? Nesse contexto se insere o conceito de "varejo lento" que você desenvolveu, certo? Pode explicar um pouco dessa ideia?

Esse conceito surgiu com uma analogia da indústria alimentícia, onde você tem o fast food, que te entrega uma refeição em poucos minutos, às vezes até em segundos, e por isso alguns restaurantes criaram o conceito de "slow food", dando ênfase à qualidade do alimento e à experiência da alimentação. Nesse aspecto, o "varejo lento" se contrapõe justamente a essa ideia das grandes corporações que prometem entregas de produtos até em poucas horas. 

Propõe que o comerciante desacelere, não entre em competição com essa velocidade, e foque na qualidade do seu produto e do seu serviço. É uma proposta de um varejo quase artesanal, todo pensado com cuidado e capricho para criar um destaque e se sobressair em meio a esse oceano de ofertas e possibilidades que encontramos no mercado atual.

? Com o avanço tecnológico, se observa cada vez mais a inserção da inteligência artificial em diversos segmentos de atividades econômicas. Como a IA tem sido utilizada no mercado do varejo?

A IA deve ser vista pelos varejistas como um recurso, uma ferramenta, que deve ser utilizada de forma estratégica. É uma ferramenta que pode ajudar com a logística de entregas, por exemplo. Pode fazer textos simples descritivos de produtos à venda para o site, mas ainda não se mostra capaz de planejar e executar grandes campanhas de marketing. 

Pode ajudar a fazer um atendimento rápido online via chat, mas tem limitação para fazer um atendimento mais completo e informativo aos clientes, e definitivamente não substitui o carisma de um bom vendedor. Por isso, defendo que a IA seja empregada pelos varejistas de forma tática, como um recurso que pode lhe poupar tempo para coisas mais simples, mas não é algo que vai lhe resolver todos os problemas de forma automática.

? Como você avalia o mercado varejista brasileiro, e quais características destacaria?

O mercado do Brasil é único, não é como os Estados Unidos e nem como a Europa. É também um mercado enorme, com grande público consumidor e grandes lojas e marcas muito estabelecidas no país e no resto do mundo. Eu conheço o país há muitos anos, costumávamos vir ao Rio de Janeiro desde a década de 1980, sempre no final do ano, para antecipar tendências de verão que estavam populares no país e aplicar no verão dos Estados Unidos. 

O mercado fashion brasileiro sempre teve um grande destaque e sempre foi muito bem aceito nos Estados Unidos e na Europa, com roupas estampadas e coloridas que sempre se mostraram populares por aqui. As roupas brasileiras de verão têm como característica passar uma sensação de conforto e também uma imagem "cool". Um grande exemplo de marca brasileira com essas características e que é muito reconhecida no mercado internacional é a Havaianas, que transformou seus chinelos em artigos altamente desejados. Eu sempre trabalhei mais no mercado fashion, e você não pode pensar em moda verão sem pensar no Brasil. 

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