quarta-feira, 28 de maio de 2025



26 de Maio de 2025
CLÁUDIA LAITANO

Luz

Ajeito meus pensamentos olhando nos olhos de dois filhotes de elefante-marinho. Um deles me observa com curiosidade, como se recém tivesse percebido minha presença ali na baía de Saint Andrews, no Sul do Sul do continente, onde eu nunca estive e provavelmente nunca estarei.

Com a cabeça inclinada para trás, o filhote abre a boca e faz um barulho que eu não consigo ouvir. (Dependendo do dia, imagino que está bocejando, solidário com minha preguiça matinal.) Atrás, uma multidão de pinguins dá à cena um ar de festa de gala. Alguns esticam os pescoços graciosos, outros olham para os lados, distraídos, mas nenhum parece muito interessado nos penetras que acompanham a cena: dois elefantes-marinhos, uma gaivota branca pousada sobre uma pedra e um homem atrás de uma câmera. É ele que vai transformar esse instante irrepetível no eterno aqui-e-agora que eu revisito todos os dias quando começo a trabalhar.

Sebastião Salgado não ficou conhecido como um dos maiores fotógrafos do nosso tempo por retratar cenas idílicas como essa que escolhi, anos atrás, como protetor de tela do meu computador. Antes da série Gênesis, dedicada a recantos intocados do planeta (e vista em Porto Alegre, em 2014, em uma histórica exposição no Gasômetro), registrou massacres, migrações forçadas, a fome extrema e condições inumanas de trabalho. A cada nova expedição fotográfica que resultava em livros e exposições, nosso mundo parecia ficar maior e mais surpreendente.

Depois de fotografar o genocídio em Ruanda, em 1994, o fotógrafo chegou a perder a vontade de trabalhar (como conta no documentário Sal da Terra, de Wim Wenders e Juliano Salgado, disponível no YouTube). Gênesis foi uma maneira de voltar a olhar o homem e a natureza com alguma esperança, buscando em paisagens remotas a beleza que insiste em resistir.

Em 2022, visitei uma exposição em Nova York que reunia imagens de todas as fases dos mais de 50 anos de carreira de Sebastião Salgado. Vi registros históricos e paisagens que nenhuma inteligência artificial seria capaz de imaginar. Vi a luz e a ausência de luz, a água e o fogo, o céu e as nervuras do chão - e rostos que, olhados com atenção, sempre nos contam uma história. Saí da galeria como quem sai de uma catedral, tocada por uma obra enraizada na história e na consciência social, dependente de um profundo domínio técnico e de sensibilidade artística, mas que apesar disso - ou por causa disso - era pura e luminosa transcendência. 


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