quarta-feira, 28 de maio de 2025


26 de Maio de 2025
CARPINEJAR

O melhor ano do cinema brasileiro

É o melhor ano do cinema brasileiro na história. É como se revivêssemos a época do Cinema Novo, quando surgiram Glauber Rocha, Cacá Diegues, Arnaldo Jabor, Ruy Guerra, Nelson Pereira dos Santos e Joaquim Pedro de Andrade - aos quais poderíamos somar nomes como Leon Hirszman, Paulo César Saraceni, Roberto Santos e Gustavo Dahl.

Só em 2025, já recebemos o Oscar de Melhor Filme Internacional com Ainda Estou Aqui; o Globo de Ouro de Melhor Atriz com Fernanda Torres; o Grande Prêmio do Júri (Urso de Prata), em Berlim, com O Último Azul, de Gabriel Mascaro; e agora, no sábado, os prêmios de Melhor Diretor e Melhor Ator no Festival de Cannes, conquistados por Kleber Mendonça Filho e Wagner Moura, ambos pelo ainda inédito O Agente Secreto.

Ou seja, alcançamos as estatuetas mais cobiçadas dos principais festivais do mundo.

Em poucos meses, de modo acumulado, superamos as maiores façanhas da nossa cinematografia. A última ocasião em que havíamos obtido um grande prêmio de direção em Cannes foi com Glauber Rocha, por O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969).

Estamos experimentando uma ebulição cultural tão intensa quanto a do movimento autoral dos anos 1960, que pregava o lema "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça". Se o Cinema Novo estabelecia um olhar crítico sobre o futuro, nossa estética atual pretende lançar um olhar crítico sobre o passado.

Deixamos para trás, inclusive, o período de 2002 a 2007, em que testemunhamos os sucessos de Cidade de Deus, com quatro indicações ao Oscar (Melhor Diretor, Roteiro Adaptado, Fotografia e Edição), e Tropa de Elite, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim em 2008.

Ainda Estou Aqui, de Walter Salles Jr., já superou esses dois clássicos contemporâneos em bilheteria, acumulando US$ 35,9 milhões (cerca de R$ 200 milhões).

E não se trata de um filme isolado, mas de uma safra consistente em cartaz, com plena aceitação de público, como Homem com H, de Esmir Filho, com R$ 4,1 milhões arrecadados até agora, e Vitória, de Andrucha Waddington, com mais de R$ 13,4 milhões em ingressos vendidos e 600 mil espectadores.

Nunca se assistiu a tanto filme brasileiro de qualidade, indo muito além das fórmulas dos blockbusters. A obrigação de exibição nas salas está virando prioridade familiar.

A Riviera Francesa aplaudiu de pé, por 13 minutos, O Agente Secreto em sua estreia no tradicional festival, há uma semana.

A obra do pernambucano Kleber Mendonça é um thriller político ambientado no Brasil de 1977, durante a metade final da ditadura - curioso é que Ainda Estou Aqui destaca a metade inicial do regime militar, unindo as pontas do mesmo trauma da democracia.

A trama acompanha Marcelo, um especialista em tecnologia que retorna a Recife buscando refúgio após confrontar um ministro corrupto que tentava privatizar pesquisas universitárias para benefício pessoal. Só que Marcelo se vê envolvido numa rede de espionagem, sendo perseguido por agentes do Dops e tendo que adotar uma identidade falsa para sobreviver.

Dois rostos assumem o estandarte do nosso renascimento nas telas: Fernanda Torres e Wagner Moura - aclamados atores que saíram das novelas da Globo, romperam a bolha do mercado estrangeiro e se firmaram como ícones universais, capazes tanto de se expressar em língua inglesa quanto de atuar com potência na língua portuguesa.

Apresentam a rara combinação de inteligência cênica, coragem artística e conexão profunda com as nossas raízes. São peritos em hesitações, suspendendo o tempo com a própria respiração.

Camaleônicos, transitam com naturalidade entre todos os gêneros. Moura consegue ser o policial truculento de Tropa de Elite, o narcotraficante Pablo Escobar em Narcos, o trambiqueiro de Ladrões de Drogas.

Torres, por sua vez, carrega o minimalismo do teatro becktiano - nunca exagera, sussurra angústias, ironiza dores, transforma a fixação úmida dos olhos em monólogo. Brilha tanto no drama (Redentor) quanto na comédia (Tapas e Beijos).

Não há revolução estética sem ídolos. 

CARPINEJAR

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