terça-feira, 20 de maio de 2025



20 de Maio de 2025
ENTREVISTA - William Mansque

Cantora gaúcha lançou recentemente seu quinto álbum de estúdio

"Quero bater no peito que sou uma cantora de rock gaúcho"

Intenso, dramático e íntimo. Ou, como a própria cantora define, do tipo para ouvir às 6h, ao chegar de uma festa, abrindo uma garrafa de vinho que não deveria. Essa é uma das maneiras para descrever Caminhos Selvagens, lançado recentemente. O álbum reúne oito faixas com inspiração no rock alternativo dos anos 1990.

Caminhos Selvagens é o seu quinto álbum de estúdio, mas seu trabalho anterior, Belezas São Coisas Acesas por Dentro, foi apontado pela crítica musical como um dos melhores discos brasileiros de 2023. Embora o Belezas seja focado na obra da Gal Costa e o novo seja autoral e íntimo, no que você buscou avançar em Caminhos Selvagens em relação aos seus trabalhos anteriores?

Comecei a gestar Caminhos Selvagens assim que lancei o Catto (2017). Quando iniciei a turnê do Nascimento de Vênus, em 2018, fiquei com muita vontade de compor. Naquela época, estava ouvindo bastante Marília Mendonça e me fascinava: como é que pode uma compositora falar de uma coisa tão pessoal, se expõe de um jeito tão obsceno e, ao mesmo tempo, causa uma identificação quase religiosa na gente. Era um momento em que estava amando essas sofrências femininas. 

Foi uma das maiores influências para o Caminhos Selvagens, no sentido de ser uma mulher que estava ali contando a história dela sem nenhum pudor. Comecei a querer voltar a compor do jeito que compunha antes do meu compromisso em ser profissional. Comecei a revisitar as minhas lembranças. Gravava as músicas no meu Garage Band (software de criação musical), com violão de nylon mesmo, fazia os beats e comecei a construir o que viria a ser a produção do disco.

O processo começou antes mesmo do álbum Belezas, então.

Ele estava em mim muito antes do Belezas, só que a vida aconteceu no meio disso. Estava lá compondo e, de repente, estava presa em casa durante dois anos. Não conseguia nem pensar ou ter cabeça para lançar um disco de inéditas. Depois da pandemia, comecei a gravar o Caminho Selvagem. Só que gosto de fazer o trabalho com calma. Esse trabalho foi costurado e, enquanto isso, fazia outras coisas. Estava nesse mergulho muito profundo nas minhas coisas e vivendo a minha transição de gênero.

Quais são as referências sonoras que você buscou trabalhar em Caminhos Selvagens?

Estava querendo fazer uma coisa que soasse como se a gente estivesse ouvindo e vendo a MTV de madrugada, em 1998, pois sou dessa época e sempre fui tão alimentada por essa estética. Adoro muito a sonoridade dos anos 1990, que traz o rock com violão e tem piano - como Stereophonics ou Alanis Morissette. Tori Amos foi a inspiração, inclusive, do arranjo de Caminhos Selvagens. Eu imaginava aquele piano dela ou da Fiona Apple. PJ Harvey influenciou muito a sonoridade. Mas a gente tem umas coisas que são muito íntimas. Por exemplo, em Madrigal, pedi para o Jojo uma guitarrinha estilo Kid Abelha, pois queria aquilo naquela hora. Não tivemos preocupação em enquadrar as faixas em nenhum tipo de estilo, só fazer o que a música sugere.

Nas letras de Caminhos Selvagens, você trabalha com suas vulnerabilidades. O disco é descrito como o trabalho mais íntimo de sua vida. Como é seguir esse caminho de escancarar sentimentos nas letras?

Esperei a minha vida toda para fazer esse trabalho. Quando ouvi um Jeff Buckley cantando The Last Goodbye, aquilo é tão dele e tão forte. É tipo Fiona Apple cantando Never Is A Promise ou Angela Roro cantando Gota De Sangue. Tem horas que a gente precisa ser verdadeira.

Pois é, mas tem aquilo do rock sujo, com noise e guitarra em evidência.

Isso era uma marca do disco. Fiz um pacto com o rock para sempre. É o lugar que sempre amei. Cheguei num ponto da minha pesquisa que é unir duas coisas que para mim eram muito óbvias, mas que talvez o público não tivesse visto ainda: uma cantora de rock alternativo, com todas as referências da bíblia do indie e que gosta da música brasileira mais subversiva, mas que é "filha das grandes divas". Aprendi a cantar com a Dalva, com a Maria Bethânia e com a Elis Regina. A minha alma como intérprete sempre virá dessa exasperação, mas trazendo essa emoção para minha história.

É o trabalho de, essencialmente, uma artista roqueira?

É uma afronta maravilhosa: o rock gaúcho vai ter que encarar que tem uma cantora que é uma trava do Sarandi. Esse trabalho é puro rock gaúcho, tem a melancolia que vem dessa nossa tradição cultural. Quero muito bater no peito mesmo que sou uma cantora de rock gaúcho. É onde nasci, é onde me criei, é do Bambus, Beco, Ocidente. Ando frequentando muito a cidade de novo, e a galera está com sede de se ver de novo enquanto cena. Por isso que falo de Porto Alegre nas músicas, o Rio Grande do Sul está muito presente em todo o conceito do disco, até na ideia de ser "on the road".

Hoje você é a pessoa que sonhava em ser quando era adolescente?

Totalmente. Hoje posso vestir o que quiser, me chamo com o pronome que tenho. Eu já era trans desde a infância, só que fui reprimida por uma família que veio do interior gaúcho, não por mal, mas por proteção. Para me enquadrar dentro do gênero masculino, do que era esperado de mim. Desde pequena, falava para minha mãe: "Mãe, quando eu for uma mulher?". Mas ela respondia que eu não era e nunca seria. Ia chorar para o meu quarto e rezava para Deus e pedia: "Por favor, deixa eu ser eu." Cheguei neste ponto em que a minha figura em cena é exatamente quem eu sou, sem nenhum tipo de disfarce. _

Minha figura em cena é exatamente quem eu sou, sem disfarce.

Catto - Cantora

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