quarta-feira, 28 de maio de 2025


Elevador lotado de lembranças

Você conhece o Brasil? Quantos países encontramos dentro do nosso país?

Os Estados ou cidades não vivem no mesmo tempo. Não é uma questão de fuso horário - mas de época.

Estive em Capim Grosso, no sertão baiano, para uma palestra. Lá, a chuva é visita rara. As nuvens formam comício-relâmpago, mas não vão além disso. Uma cidade simpática, acolhedora, com 35 mil habitantes.

Eu perambulei sem medo de me perder. Você nem depende de Google Maps. Qualquer dificuldade de localização, é só perguntar. Ninguém se assusta com as suas perguntas. Ninguém teme a sua aproximação. As conversas se desenrolam naturalmente.

Na praça, ouve-se o som da bandinha escolar ensaiando. Fui rememorando os meus desfiles na infância: bumbo, caixa, tarol, prato, surdo ou bombo leguero, quadritom, quintotom, bateria, meia-lua, lira, xilofone, metalofone. Experimentei um período em que a música fazia parte do currículo. Trocávamos de voz participando do coro. Havia uma maior interação com a turma.

Atravessei a turba cantante quando entoavam Aquarela, de Toquinho. Fui me lembrando da letra:

"Numa folha qualquer / Eu desenho um sol amarelo / E com cinco ou seis retas / É fácil fazer um castelo?".

Recordei-me também, com nostalgia, do meu estojo de madeira com lápis de cor, que eu mantinha com as pontas sempre em dia. O fundo de madeira apresentava um círculo matizado, lindo, com as colorações abraçadas, como se fosse a paleta de um pintor.

Nos fios de luz, verifiquei vestígios das rabiolas de pipas. O céu ainda era puxado pela mão.

As crianças brincavam de pega-pega entre as árvores. Alguém contava a espera com a cabeça encostada em um tronco.

Um pai deixou o celular no banco de pedra enquanto embalava sua menina no balanço. Não temia roubo. Não temia perdê-lo.

Na frente das casas, ao entardecer, os moradores desengavetavam as cadeiras de praia e se sentavam ao longo da calçada, vendo o povo passar - me vendo passar. As pupilas dos avós me serviam de espelho.

A população despertava com o sol - às cinco da manhã - e dormia com a lua, às oito da noite.

Tudo era antigo de tão novo. Uma versão colorizada de um clássico do cinema. Eu regressava à minha infância com o olhar adulto.

Ao retornar para o hotel, encharcado de vivências, estranhei a movimentação. Um entra e sai infinito.

Pensei que o hotel estivesse lotado para o evento. Não conseguia chamar o elevador. Demorava. Quando chegava, vinha lotado - e ninguém descia. Imaginei que todo mundo tivesse sido obrigado a voltar para o térreo.

Indaguei à dona: - É sempre assim, com tantos hóspedes?

E ela me respondeu, sorrindo:

- Não. A cidade só tem dois elevadores. As pessoas vêm aqui só para sentir como é.

Capim Grosso sequer possui escada rolante. Nem precisa. A paisagem é que anda em nós.

Não fiquei com pena. Fiquei com inveja. Eu já fui feliz e não sabia.

Subi de escada. Degrau a degrau da saudade. 

CARPINEJAR 

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