
O rio da minha aldeia
Agora é a Justiça que vai decidir se o Guaíba é rio, lago ou alguma outra coisa que melhor defina esse encantador (às vezes, assustador) espelho líquido de Porto Alegre. Lá pelos anos 70 e 80 do século passado, quando eu pescava lambaris e tomava banho nas praias da Zona Sul, ninguém tinha dúvidas: era rio. Com a expansão imobiliária da cidade (inclusive para dentro do próprio), começou esse debate polarizado que já não mais se restringe a definições científicas. A discussão é orientada, acima de tudo, por interesses econômicos e políticos.
Se a balança da Justiça pender para o lado da palavra rio, as edificações terão que respeitar uma distância maior da água, que pode variar entre 100 e 500 metros, dependendo do local. Se o termo lago for contemplado pelos magistrados, a área edificada poderá ficar entre 10 e 30 metros da água. No rastro dessas duas interpretações, movem-se os governantes e os representantes políticos. Para a atual administração da cidade, por exemplo, o Guaíba é lago - e estamos conversados. Por isso a oposição levou o tema para o Judiciário decidir.
O debate também confronta preservacionistas e desenvolvimentistas. Uns e outros utilizam interpretações técnicas para sustentar suas posições - e, ouvindo-as, percebe-se que os próprios estudiosos divergem sobre a classificação desse reservatório de água que os porto-alegrenses utilizam como bebedouro e esgoto. Nesse contexto, li outro dia a definição sugerida por um leitor deste jornal que me pareceu bem adequada: "O Guaíba é um lago com um rio no meio". Poderia também ser um rio com um lago nas margens.
Não gostaria de estar na toga dos magistrados que terão que decidir, até mesmo porque eles correm o risco de adotar uma definição e a população adotar outra. Como ocorre com os nunca lembrados Andradas da Rua da Praia. Não pretendo influenciar ninguém, mas, como porto-alegrense nato, tenho a minha posição: para mim, o Guaíba será sempre um rio - por razões históricas e afetivas. É o rio da minha infância, é o rio da minha aldeia, é o rio que trouxe os meus antepassados açorianos para este cantinho de mundo. _
O conteúdo desta coluna reflete a opinião do autor
NILSON SOUZA
Nenhum comentário:
Postar um comentário