sábado, 31 de maio de 2025


31 de Maio de 2025
J.J. CAMARGO

Se o estímulo foi por uma coisa boa, dessas que dão aos otimistas apressados a sensação espontânea de que nem tudo está perdido, os comentários serão pífios e burocráticos. Mas se resultou de alguma mágoa ou ressentimento, você logo descobrirá a quantidade de sentimentos inferiores reprimidos, à espera de que alguém venha solidariamente resgatá-los.

Depois que publiquei uma crônica que relatava a experiência de um médico velhinho, que passou a vida cuidando das pessoas com carinho, não porque quisesse impressionar ninguém, mas porque não conseguia ser de outro jeito, e que, quando adoeceu, provou o amargo do atendimento despersonalizado, as redes sociais abriram as comportas da indignação e choveram relatos semelhantes em indiferença, alienação e rigidez afetiva.

Uma avó foi levada às pressas para a emergência de um grande hospital e deixada com a tradicional camisola, esperando por um exame. Sempre friorenta, reclamou:

- Moça, eu vou pegar uma pneumonia aqui! - Não, vovó, o que a senhora tinha que pegar já pegou! - respondeu uma atendente apressada, que provavelmente nem ouviu a reclamação (e se tivesse ouvido, que diferença faria?).

- Escuta, minha filha, eu sei que estou velhinha, mas não te esqueças que eu ainda sou um ser humano!

Em outro relato, uma paciente, grande fumante, com câncer de pulmão, internou com a expectativa de que pudesse ser operada, porque ouvira que a maioria dos sobreviventes estavam entre os casos cirúrgicos. Ao final da avaliação, foi informada de que o tratamento seria feito com quimioterapia que, felizmente, naquele tipo histológico, funcionava muito bem. Mais tarde foi encontrada aos prantos. Tudo porque um estagiário, em provável liberdade condicional, passou para vê-la, resolveu testar as informações. Ela perguntou:

Meu doutorzinho, meu tumor é muito ruim? Ele respondeu:

- Do que eu aprendi até agora, parece que é o pior.

Uma terceira história: um homem de barba muito branca, com um tumor de pleura que lhe invadia as costelas, continuava gemente depois do analgésico e seguia implorando por mais. A atendente, chateada com a insistência, foi definitiva:

- O senhor já recebeu tudo o que estava prescrito. E vou lhe contar um segredo que aprendi: gemido não é analgésico!

O mais triste é que oferecer a esse trio um curso intensivo focado em empatia e compaixão seria inútil. Quando essas virtudes, lá atrás, foram excluídas do DNA, não há manipulação genética que conserte. 

J.J. CAMARGO

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