terça-feira, 13 de outubro de 2015


13 de outubro de 2015 | N° 18323 
DAVID COIMBRA

A mais linda entrevista


A mais linda entrevista já feita no programa Timeline, da Rádio Gaúcha, uma das mais lindas que já ouvi, assisti ou li na vida, essa entrevista foi feita ontem pelo supimpa produtor Tiago Boff, no Ginásio Tesourinha, em Porto Alegre. Ele estava em meio às crianças das famílias ribeirinhas desalojadas pela enchente que ali foram abrigadas. Primeiro, Tiago conversou com uma menina pequena, tão pequena que chamava a prima de “pima”. A entrevista não rendeu. Ela estava ansiosa para brincar com os amigos e ficava perguntando:

– Posso ir? Posso ir?

Depois, Tiago falou com Taís, uma garotinha de 11 anos de idade. É dela o depoimento a que me refiro.

Ontem, você sabe, foi o Dia das Crianças, e justamente nessa data a menininha, seus irmãos, seus pais e seus amigos tiveram de pegar uns poucos salvados das casas alagadas e se transferir para o ginásio. Lá, só o que eles tinham era a comida arrecadada pela prefeitura, colchões e a companhia uns dos outros. O Tiago perguntou do que mais ela precisava, encontrando-se naquela situação precária. E ela respondeu:

– De mais nada.

Mas é claro. Com ela estavam as pessoas de quem gosta. Se sentisse cansaço, ali adiante havia um colchão onde se deitar e um cobertor para se cobrir. Se sentisse fome, alguém lhe alcançaria um prato de comida. Do que mais ela podia precisar?

Esse foi o Dia das Crianças da menina Taís. Sem dinheiro na Suíça, sem uma causa pela qual se bater, sem voto, sem seguidores nas redes sociais, sem poder ou fama. Debaixo do teto de zinco de um ginásio. E feliz.


O abobado da enchente

Dizia-se, em Porto Alegre, quando se queria diminuir alguém, que aquele era “um abobado da enchente”. Por que será? Terão, os porto-alegrenses, ficado catatônicos com a subida das águas em 1941? Sim, porque essa é uma referência à Enchente de 41, que traumatizou a cidade.

Outras cheias houve, mas nunca nenhuma como a de 1941. Lembro do meu avô mostrando uma marca que ele havia feito na parede da sua própria casa, na Rua Dona Margarida, 355.

– As águas da Enchente de 41 vieram até aqui – ele apontava.

Eu levantava o queixo e via, lá em cima, bem no alto, uma pequena depressão esculpida a prego e martelo, que meu avô era sapateiro.

Quero dizer que aquele risco de menos de meio palmo de comprimento era importante para mim. Era um sinal vindo diretamente do passado. Eu parava debaixo daquele ponto e imaginava as águas barrentas do Guaíba cobrindo a rua e o bairro como num dilúvio, os moradores fugindo das casas em barcos, como havia descrito meu avô, as pessoas desesperadas, os bichos morrendo afogados, tudo.

É para isso que servem monumentos e livros de História. Para que saibamos que o que aconteceu pode voltar a acontecer. Assim podemos ser previdentes e prevenidos. O Muro da Mauá, tão combatido e criticado, que, como o de Berlim, já foi chamado de “da Vergonha”, é um muro erguido sobre as experiências doloridas do passado. Que, prova o presente, deve ficar onde está. Tantas vezes debatemos se o Muro da Mauá devia ser posto abaixo, e agora descobrimos que não. Se tivesse lembrado das marcas do passado, já saberia a resposta.