sábado, 10 de outubro de 2015



11 de outubro de 2015 | N° 18321 
CARPINEJAR

A solidariedade com a tristeza do outro


Ceder é transcender. Não tenho mais nenhum interesse na vida de mandar no relacionamento: eu me respeito e respeito o outro.

Não planejo nada além de dois dias. Trata-se de um prazo razoável. Porque nunca sei das inconstâncias de meu humor e o de minha mulher e de meus filhos. Não faço mais arrastão, aquilo de marcar uma saída e não aceitar qualquer mudança de plano.

A onipotência (a ânsia de controlar a tudo e a todos) é um risco altíssimo para o casal. Sou mais de acordar com calma e ver como estão as coisas.

Desagradável é a disputa de poder no final de semana. Agendar um passeio e descobrir na hora de se arrumar que a mulher não está mais a fim. Ou porque sofre de enxaqueca ou não dormiu bem ou resta trabalho inacabado, motivos que não existiam antes da promessa.

O que pode acontecer?

Primeira hipótese: você teimar em manter o compromisso e chantagear a esposa para acompanhá-lo pelo simples argumento de que já estava combinado há tempo. Ela poderá ir, absolutamente contrariada, e passará o passeio inteiro com a cara emburrada, desprovida de qualquer vontade de sorrir.

Assim como você comprou briga para sair, agora comprará nova refrega, já que ela não se encontra do modo como imaginou. Não parece nem um pouco disposta.

Ficará furioso que ela não colabora, não ajuda, não se esforça para tornar agradável. Mas ela já havia dito que não tinha nenhuma vontade, você que não foi compreensivo. Não há como funcionar. O que deseja é praticamente o impossível, que a felicidade seja um feitiço e acenda a luz dos olhos dela com uma salva de palmas. A alegria jamais será obrigação, e sim estado de espírito.

Não é que ela não quer ser feliz, não conta com inspiração para ser feliz. Felicidade é contexto, atmosfera, disposição. Não adiantou seguir com o roteiro. Discutirão sem parar, apesar do sol e da comida maravilhosa do restaurante.

Segunda hipótese: também pode colocar tudo a perder permanecendo em casa como provocação. Desmarca, finge que aceita o desânimo dela, porém emburrece e faz qualquer movimento de mau-humor. Não acolhe o impedimento como natural, seu interesse é boicotar as mínimas atitudes dali por diante e mostrar que ela estragou o seu final de semana.

Aponta o egoísmo da tristeza dela e não percebe que o seu contentamento ainda é mais egoísta.

Não custa mudar de opinião e oferecer um voto de confiança. Entender que a nossa companhia não vem partilhando da mesma frequência. Representa um momento, não é para sempre.

Forçar o entusiasmo provocará apenas culpa. Aproveite a folga para ler, ver filme, conversar com os amigos.

Milagrosamente é somente sair de perto, dar espaço para a solidão, não pressionar, que ela virá depois disposta a passear. Quem cede sempre é recompensado com amor. A desobrigação gera a escolha. A escolha é liberdade.