21 de outubro de 2015 | N° 18331
MOISÉS MENDES
Pensar é bom
Tudo sobre a frota de carros de luxo da mulher de Eduardo Cunha. Era o que eu me preparava para ler no domingo à tarde, quando recebi o e-mail de Abrão Slavutzky.
Abrão recomendava, em mensagem enviada também ao Luiz Antônio Araujo, que víssemos a entrevista do sociólogo polonês Zygmunt Bauman ao Alberto Dines no Observatório de Imprensa, disponível na internet.
Domingo à tarde, quase horário do jogo do Grêmio. Pensei: Abrão deve ter tema de casa para fazer como psiquiatra e psicanalista. Se parou para mandar a sugestão, é porque deve ser coisa boa. Despachei e-mail para o Araujo:
– Temos que ver o Bauman.
Mas deixei para depois e fui ver o lamentável jogo do Grêmio com a Chapecoense. Araujo seguiu a recomendação de Abrão e escreveu sobre a entrevista na Zero de segunda-feira. Quando cheguei à Redação, me disse: – Eu vi o Bauman! Respondi constrangido: – Eu vi o Grêmio.
Ontem, finalmente, vi a entrevista. Bauman formulou o conceito de sociedade líquida – o mundo afogado na desordem do individualismo, das falsas urgências, da superficialidade, da competição sem normas e do massacre de vínculos e valores.
Li esses dias, em uma noite, o seu livrinho A Riqueza de Poucos Beneficia a todos nós? (Zahar, 104 páginas), que ganhei do Carlos André Moreira. Bauman diz que tentar resistir ao mundo líquido é radicalizar a necessidade de pensar, para que as ideias não sejam apenas entretenimento.
Ele começa a entrevista ao Dines falando do taylorismo (a repetição em nome da produtividade) e da linha de montagem do fordismo. Ambos são invenções a serviço do embotamento. Ford achava que todos os carros deveriam ser pretos, até que Alfred Sloan, da GM, intuiu que poderiam ser brancos, azuis, vermelhos, amarelos.
Bauman fala das aflições provocadas até hoje por ideias ditas diferentes, agora num mundo virtual em que a obsessão é pela simplificação, pela informação fracionada e pela busca da cumplicidade dos mesmos pontos de vista nas redes sociais. O confortável, diz, é ouvir o eco da própria voz.
Se a entrevista fosse uma aula, daria para dizer que uma das suas lições é esta: estamos no corredor de espelhos (a definição é dele) da mesmice, e resistir a isso é esforçar-se para continuar pensando.
Bauman, um dos últimos grandes humanistas, sobrevivente dos horrores cometidos pelo stalinismo e pelo nazismo contra os diferentes, sabe bem do que está falando.
